Cantigas à minha viola
Ó viola encordoada
Com quinze cravos de aposta,
Com quinze cravos de aposta,
Minha pêra acinturada,
Minha maçã de Bemposta
Quando te toco nas cordas,
À boca do coração,
Vou-me sangrando em saúde
Que nem sumo de limão.
Tens os pontos doiradinhos,
Tens os espaços de luto,
Tens os espaços de luto,
Cada prima é uma flor,
Cada cravelha é um fruto...
Cada bordão é um zangão,
Cada toeira uma abelha,
Ó jardim de madrepérola
Da minha festa vermelha!
Letrinha de 8 somada
Pelas tuas seis parcelas
Mai-las minhas mãos cansadas,
Amarelas... amarelas...
Pendurada a tiracolo
No teu cordão cor de vinho,
És o meu saco de cego,
O meu burro e o meu moinho.
No florão da minha viola
Pus uma tira de espelho,
Para ver, de quando em quando,
Se estou novo, se estou velho.
Na caixa da minha viola
Há um letreiro que diz:
V. DA SILVA, VIOLEIRO,
ILHA TERCEIRA – PARIS.
Mas um tolo, um engraçado,
Colou com cuspo uns tarjões:
V. DA SILVA, CANGALHEIRO DE ALMAS,
FAZ VIOLAS E CAIXÕES.
Meu amor, deixa falar!
Dorme, não percas a esperança!
Morta, na minha viola,
Serás como uma criança.
Que seis meninas de arame
É que te levam à campa,
Com seis florinhas de pau
Espetadinhas na tampa.
E o limão, a violeta,
A madrepérola, o espelhinho
Hão-de te servir de terra
E de mortalha de linho.
Minha viola de luxo,
Minha enxada de cantar,
Meu instrumento de fogo,
Caixinha do meu chorar!
Viola, bordão de prata,
Vida violeta, violeta...
Prima, coração me mata...
Poeta! Poeta! Poeta!
(Vitorino Nemésio (1901-1978), Festa Redonda, Lisboa, 1950, pp. 77-79).
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