domingo, 28 de outubro de 2007

A VIOLA DE ARAME DA ILHA TERCEIRA


PEQUENO CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DA ORIGEM E EVOLUÇÃO

O primeiro tratado escrito sobre um novo instrumento, denominado expressamente “Guitarra Espanhola”, data de 1586 e é da autoria de JUAN CARLOS AMAT . Este novo instrumento tem 5 ordens de cordas e afina “lá ré sol si mi” do grave para o agudo.

No séc. XVII está largamente difundido em Portugal.

Em 1789 publica-se em Coimbra a nova arte da viola, de MANUEL DA PAIXÃO RIBEIRO. Segundo ele, a viola tem 5 ordens de cordas, armando com 12, com a afinação do agudo para o grave mi si sol ré lá, sendo as três primeiras duplas e as duas últimas triplas.

“A viola, devido às suas possibilidades e regularidade cromática e maleabilidade de afinação, acompanhou e adaptou-se facilmente às transformações que a música sofreu no decurso dos séc. XVII e XVIII, apresentando-se hoje como o instrumento popular próprio da música do tipo recente, mais acessível ao gosto actual do povo, contrapondo-se aos instrumentos do ciclo pastoril - a gaita de foles, o tamboril, a flauta e o adufe, especificamente ajustados às escalas e exigências rítmicas da música arcaica, austera e cerimonial ou mesmo festiva.” (ERNESTO VEIGA DE OLIVEIRA)

A viola chega aos Açores provavelmente em finais do sec. XVI ou princípios do sec. XVII. No arquipélago toma características comuns a todas as ilhas, o que nos leva, com toda a certeza, a considerar a existência de uma “viola tradicional açoriana” e englobá-la na grande família das violas Portuguesas, - eventualmente uma irmã gémea da viola coimbrã. Esta viola manteve as suas características fundamentais primitivas em todas as Ilhas, mas aqui e acolá foi adquirindo particularidades estéticas diferenciadas, sabendo-se por elas a sua origem A afinação foi sofrendo também algumas alterações, prevalecendo no entanto na maioria das ilhas a afinação original.
É apenas na Ilha Terceira que nos aparece, provavelmente na segunda metade do séc. XIX, um instrumento semelhante às violas Açorianas, exibindo no entanto algumas diferenças fundamentais: é acrescentada às suas cinco parcelas mais uma ordem de 3 cordas que afinam em mi; a caixa de ressonância é aumentada, assim como o braço, aumentando simultaneamente o número de pontos – trastes - dando-lhe mais potencialidades para a execução dos exigentes temas musicais tradicionais terceirenses.
A forma de tocar assume aqui uma componente muito relevante: passa-se do rasgar puro e simples, quase sempre com o polegar, de cima para baixo, como acontece ainda hoje por exemplo nas ilhas de S. Miguel ou das Flores para um dedilhar de baixo para cima, utilizando o indicador, reservando o polegar para eventuais acompanhamentos nas cordas graves. Esta nova forma de tocar aumenta de executantes à medida que vão desaparecendo as motivações pelas quais as pessoas se juntavam e dançavam as modas tradicionais em que era bastante marcar, rasgando, o compasso e os tons da música que era cantada por todos, sem se dar grande importância à voz realçando-se acima de tudo o texto das quadras ou sextilhas que eram “atiradas” em permanente despique.
Mas é sobretudo com o aparecimento dos modernos meios de retenção e difusão áudio, que aparecem os virtuosos executantes deste instrumento. Retirados de todo o contexto, eles assumem aqui um papel de topo, tal como os cantadores. O que é importante agora é a execução musical e a voz do cantador. Às músicas simples do povo são acrescentados magníficos rendilhados tantos quantos o poder de criatividade do executante lhe permitissem.
É esta forma de tocar e este instrumento que nos é deixado como herança, e é sobre ele que recai hoje em dia toda a responsabilidade melódica das músicas populares terceirenses, dançadas e recriadas pelos grupos de Folclore.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

DOIS TEXTOS E UMA OPINIÃO


Não resisto à tentação de partilhar com todos os meus leitores dois textos de Maud Pauline Karpeles (1885-1976) com os quais dei de caras, há alguns dias atrás, num artigo publicado em 1957 na revista Brasileira de Porto Alegre “Província de São Pedro”.

1 - UMA RIQUEZA UNIVERSAL: A MÚSICA FOLCLÓRICA

Todo o esforço artístico pode vir a ser um factor de aproximação social: todos estão, sem dúvida, convencidos e não há necessidade de sublinhar que esta proposição é particularmente verdadeira no que se refere à música, a mais universal de todas as artes.
É preciso admitir, entretanto, que certas formas de música exercem, em geral, maior atractivo do que outras e que, em consequência, varia a sua influência como elemento de aproximação.
Proponho-me a mostrar que a natureza da música folclórica é capaz de agradar a todo o mundo, sem distinção de classe social ou de nível cultural.
Há alguns anos recolhi cantos folclóricos na Terra Nova. Achava-me em casa de uma família de pescadores, num lugarejo costeiro, muito afastado. Passamos uma tarde agradabilíssima, a cantar cada um por sua vez e no momento em que eu me ia recolher, dado o avançado da hora, o pescador, virando-se para a sua mulher, disse-lhe: “é verdadeiramente curioso que uma estrangeira pudesse ser a tal ponto tão igual a nós”. O pescador iletrado reconhecia assim que a música folclórica constitui um elemento de aproximação social, embora não tivesse empregue os termos citados.
É lamentável que os músicos cultos nem sempre apreciem a música folclórica com seu justo valor, pelo facto de terem assumido a seu respeito uma certa atitude condescendente; eu diria mesmo: um certo snobismo. Essa atitude resulta, em grande parte, da falsa ideia que fazem da natureza desta música. Consideram-na como música primitiva, como matéria-prima que o compositor pode utilizar e transformarem obra de arte, embora, por ela mesma, não sirva senão de distracção para crianças e para os que a desconhecem. Ouvi, um dia, um eminente músico exprimir deliberadamente essa opinião. “Não seria lamentável, dizia ele, que toda a nossa formação e todos os nossos estudos não nos tenham elevado acima desta música de camponeses ignorantes e incultos: “ Rouxinol, eu farei como o rouxinol…”.
O erro consiste precisamente em pensar que a expressão artística depende necessariamente do ensino de carácter escolar que se recebeu. Equivale a acreditar que o homem seria incapaz de se exprimir se o gramático não lhe viesse ensinar a fazer uso das palavras. É evidente que, se o homem canta e dança é porque o canto e a dança lhe são inatos. Recordemos aqui estas palavras de Epiceto: “Rouxinol eu faria como o rouxinol, Cisne, eu faria como o cisne. Mas como sou um ser racional, eu devo cantar para Deus”.
Entretanto, não se deve considerar a música folclórica como uma efusão espontânea e vaga da alma humana. A música folclórica tem suas leis e seus princípios que, por serem aplicados inconscientemente, não são por isso mesmo certos. Um canto ou uma dança folclórica não nasce espontaneamente de uma emoção qualquer. Neste domínio, todo o cantador ou dançarino, embora sendo grande a sua facilidade de improvisação, segue de maneira geral, certos modelos estabelecidos pela tradição que lhe chegaram por transmissão oral.
Um canto folclórico distingue-se de um trecho de canto clássico não porque fosse ele escrito sem arte, mas porque em lugar de ser uma obra de um só individuo é o produto complexo de diversas gerações de cantores que, após muitas apalpadelas, terminaram por achar a forma de expressão que convinha melhor ao génio da comunidade. É preciso aqui distinguir música folclórica autêntica e a chamada música popular.
A música folclórica é uma herança do passado, porém ela guardou a sua frescura e a sua vitalidade graças às transformações constantes que influiu nela no curso da transmissão oral. A música dita popular, ao contrário, é uma obra individual, que acometeu a imaginação popular, mas somente de maneira superficial; não tendo nenhuma raiz profunda no passado, não tardará geralmente em desaparecer.
Segundo o meu ponto de vista, seria utilíssimo para a causa da cultura e para o bem do público, em geral, que os educadores especializados reconheçam a verdadeira natureza da música folclórica e a apresentem como uma forma de arte tendo sua beleza intrínseca, digna de ser cultivada por ela mesma. Infelizmente, na maior parte dos países que são a vanguarda do progresso – ou, pelo menos, do que se possa assim chamar – a música folclórica, negligenciada, cai no esquecimento e não se mantém mais senão entre as populações rurais, menos sensíveis à influência da civilização moderna; assim à medida que a civilização se estende, a música folclórica desaparece.


2 – MÚSICA CLÁSSICA, OU MÚSICA DE CLASSE?


Desta situação provém, em grande parte, parece-me, a atitude dos músicos profissionais de empregarem idioma musical estrangeiro, porque desconhecem a música folclórica do seu próprio país. Disto resulta que uma grande parte da população é indiferente à música de concertos como um abismo entre a música dos “intelectuais” e a música do “vulgo”. As massas operárias não conhecem nem a música de concerto, nem a música folclórica, mas se distraem a ouvir jazz, ou seus últimos sucedâneos e coisas sentimentais sem valor artístico. Ninguém gosta de ser considerado como “antiquado”: assim como o cidadão moderno é inclinado a desdenhar a música folclórica, o camponês apressa-se em imitá-lo.
Em compensação o menor estímulo é suficiente para o cantor ou o dançarino folclórico exaltar a fé na sua arte. Mas este encorajamento não deve tomar a aparência de uma paternidade condescendente. De nade serviria incentivar a música folclórica porque nós a julgaríamos melhor para certas classes da sociedade, mas não suficientes para nós mesmos.
Como acontece na música folclórica e como em todas as outras formas artísticas, seu campo é limitado. Mas, dentro destes limites, as melhores obras do folclore são comparáveis às dos grandes mestres.
Não considerei até aqui a música folclórica sobre o plano nacional, mas é de supor-se que existe em uma certa comunidade de pensamento e de um mesmo modo de vida. Apresenta-se a questão em saber se a música folclórica pode agir como elemento de aproximação social, quer no plano internacional quer no plano nacional. Pessoalmente, creio, com alguma reserva, que se deve conhecer perfeitamente a música folclórica do seu próprio país antes mesmo de tentar compreender a de outros. Ficar-se-á então habilitado apreciar esta divergência que concorre para a unidade, e não se limitará simplesmente a cultivar um gosto cosmopolita.
O canto folclórico fixa evidentemente um problema linguístico, mas ele pode constituir uma excelente introdução ao estudo de um idioma estrangeiro. Além disso é possível traduzir um canto folclórico sem que ele perca muito da sua inspiração e do seu sentido original.
Na dança folclórica, o obstáculo linguístico desaparece: também ela exerce um atractivo universal, ainda mais do que o canto folclórico. A falta de palavras a torna precisamente um meio de expressão mais comovente do que o canto, porque atinge o homem mais profundamente em seu subconsciente.
Não há, entretanto, nenhuma surpresa nisso, pois na base das danças folclóricas do mundo inteiro, há ritos religiosos que estiveram, outrora, ligados às crenças comuns a toda a humanidade. Estas crenças são expressas sob formas muito diferentes mas, em geral, elas todas se congregam no mesmo desejo de continuidade e unidade de vida que existe em cada ser humano.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

MUSEU DA MÚSICA

«Culturas Musicais da União Europeia: Uma Viagem Instrumental»
De 21 de Setembro a 29 de Dezembro de 2007

O Museu da Música é desde 21 de Setembro o palco de uma viagem-exposição ao mundo dos instrumentos e culturas musicais da União Europeia (UE), num itinerário que prevê pequenas paragens em cada um dos 27 países membros e regresso a casa para o encerramento da Presidência Portuguesa.Porque viagens há muitas, o bilhete quer desta vez levar o viajante ao encontro de uma pequena porção da diversidade musical e instrumental que se encontra pelos quatro cantos da UE, devidamente reproduzida à escala do Museu. Os embaixadores escolhidos são os instrumentos; afinal sem eles dificilmente se faz música.Da guitarra portuguesa ao cavaquinho (Portugal), com acompanhamento de, entre outros, castanholas (Espanha), kaval (Bulgária), laouto (Chipre), trstenke (Eslovénia), saxofone (Bélgica), kantele (Finlândia), bouzouki (Grécia), harpa (Irlanda), kokle (Letónia), zaqq (Malta), cobza (Roménia) ou nyckelharpa (Suécia), são vários os instrumentos a descobrir e, como tal, muita música “nova” para nos encher os ouvidos. Numa selecção que não se quer exaustiva e muito menos definitiva, estes embaixadores surgirão enquadrados com imagens e textos explicativos sobre a música de cada país-membro, numa unidade feita de diversidade instrumental, onde é possível encontrar raízes musicais comuns.Para animar o percurso até 29 de Dezembro, altura em que a viagem chega ao fim, prevê-se a realização de várias actividades sempre às sextas-feiras e sábados, com cada um dos dias dedicado em exclusivo a um dos 27.Como co-pilotos, o Museu contou com um sem número de apoios, em especial das Embaixadas dos países da UE em Portugal, mas também de vários museus da música europeus e de Embaixadas portuguesas na UE. Não deixe de se juntar a nós nesta viagem de descoberta musical visitando a exposição e o blog que criámos (http://museudamusica.blogspot.com/). Se puder, ajude-nos também a passar mensagem.