quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

JANEIRO E SEUS SANTOS PROTECTORES

De uma lista coligida por A. Thomás Pires e publicada em 1898 no Vol. IV da Revista Lusitana, eis alguns Santos que o povo tinha como protectores.
Felizes eram pois os desse tempo em que ainda haviam Santos dispostos a lhes valer...

Dia 1 – Santo Alfredo- advogado contra a cólica e contra a dor de pedra;
3 – Santa Genoveva – advogada contra a lepra;
6 – Reis Santos Gaspar, Belchior e Balthasar – advogados contra os acidentes epilépticos e contra os perigos dos caminhos;
7 – S. Tillon – advogado contra as febres;
10 – S. Gonçalo de Amarante – advogado contra as dores das pernas; casamenteiro das velhas e patrono dos tocadores;
15 - S. Amaro – advogado contra os achaques de pernas e braços;
17 – S. Antão – advogado contra a erysipela, e patrono dos almocreves, atafoneiros e cordoeiros;
18 – S. Margarida de Hungria – advogada contra os males da garganta;
20 – S. Sebastião – advogado contra a peste, fome e guerra, e patrono dos marceneiros;
22 – S. Vicente – advogado contra as bexigas, e padroeiro de Lisboa e do Algarve;
S. Anastácio – advogado contra as doenças de qualquer género;
23 – S. Raymundo de Peñfort – advogado contra as febres.

Um Bom Ano.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

BOAS FESTAS

Anda por aí um velho de barbas brancas a querer tirar o lugar ao Menino Jesus. A mim ele não engana! Quem é que vai acreditar que um velho daqueles, ainda por cima com uma enorme barriga, possa entrar pelas chaminés para deixar os presentes nos sapatinhos. É mentira! Eu cá por mim continuo a acreditar é no Menino Jesus. E não me tenho safado nada mal. Há já uns sessenta anos que nos conhecemos e durante todo este tempo Ele nunca se esqueceu de me visitar.

Foi a Ele que eu fiz o meu pedido:" Ó meu Menino Jesus traz-me este ano muita paz, amor e saúde para todas as pessoas do mundo. Também te peço que comeces pelos pobres, pelos doentes, pelas vítimas da guerra, pelos meninos que não teem família, pelos desprotegidos, pelos sem abrigo, por todos aqueles que sofrem e, se por qualquer motivo não conseguires chegar à minha casa, não Te preocupes: eu tenho recebido de Ti muito mais do que mereço".

De tudo o que tenho recebido estão em lugar de destaque todos os meus amigos. É para eles que envio os meus votos de Boas Festas no espírito do autêntico Natal do Menino Jesus.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

VERSOS DE BOAS FESTAS - 7

BOAS FESTAS
Dos empregados de uma sapataria que, em vez de pedirem, organizaram uma rifa cuja receita reverte para a consoada.

Bilhete de uma dessas rifas:

Nº…… Preço $25 centavos

Sorteio de um elegante par de sapatos
de verniz para senhora

Esta vai por vós, senhores
Boas-Festas vimos dar,
Para a noite de Natal
Alguma coisa arranjar

Os rapazes da Sapataria da Moda

Fonte: Rev. Lusitana

VERSOS DE BOAS FESTAS - 6

BOAS FESTAS
De uma casa comercial (que “saúda a todos” – sem pedir a consoada, é claro)


SAUDAÇÃO

A Casa dos Gonçalves deseja
Aos Ex.mos Fregueses seus
Boas-Festas e que o ano lhes seja
Portador das venturas dos céus

Cá na terra só uma tereis:
-Comprar muito por pouco dinheiro,
E em novecentos e dezasseis
Só o Gonçalves será barateiro

Saud’á todos com preito egual,
Nas venturas d’um ridente provir;
De norte a sul de Portugal
Que os meus votos se façam sentir.

E do passado sentido me ufano
Saúdo a todos no primeiro do ano.

Cabanas, 1-1-1916 Casa dos Gonçalves


Fonte: Rev. Lusitana

VERSOS DE BOAS FESTAS - 5

BOAS FESTAS
De um carteiro que logrou quem lhe fizesse poesia mais complicada:


Não há verbo mais perfeito
Mais fácil de conjugar
Entre os verbos portugueses
Que o lindo verbo dar

Tem três letras, meu senhor,
A primeira diz que “dê”,
Com a segunda quem lê
Diz que “dá” seja o que for.
O “erre” não tem valor
Mas aqui não é defeito,
Até dá um certo jeito
Para entalar a vogal;
Hão-de convir, afinal,
“Não há verbo mais perfeito”

Eu bem sei que receber,
Apesar do comprimento,
Se conjuga num momento
Com muitíssimo prazer.
E se não vamos a ver:
Conjuguem dar os fregueses,
Quatro, cinco, vinte vezes,
Que eu conjugo o mais comprido
Porque ao outro está unido
Entre os verbos portugueses

Dá-se ao pé na contradança,
Dá-se de olho às raparigas,
Ao demónio dão-se figas,
A quem ama dá-se esp’rança.
Dá-se papinha à criança,
Dá-se a consoada ao carteiro,
Dá-se ao fole na falta de ar,
Dão-se agora as boas-festas,
Eis o verbo em coisas destas
Mais fácil de conjugar.

O carteiro Malheiro


Fonte: Rev. Lusitana

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

VERSOS DE BOAS FESTAS - 4

BOAS FESTAS
De um recoveiro (a quem roubaram uma capa por ocasião das festas a Sacadura Cabral e Gago Coutinho, após a travessia aérea do Atlântico)

Meus Senhores, o Freitas,
O emissário incansável,
Vem contar-vos (sorte dura!)
Que lhe roubaram a sua capa
Nos festejos do Sacadura

E para comemorar essa data,
Que para ele foi fatal,
Vem pedir que o ajudem
A comprar outra capa
Agora para o Natal.
Fonte: Rev. Lusitana

VERSOS DE BOAS FESTAS - 3

BOAS FESTAS
De um carteiro

É esta árdua missão
De Vos levar Boas notícias,
Por essas ruas além,
Levando cartas, jornais
E encomendas postais,
Sem se queixar de ninguém.

Quantas vezes no inverno
Por desgraça, ó Deus eterno!
Tremendo, todo molhado,
Volta a casa quase morto
Sem ter um golo de Porto
Para ficar mais animado

E depois ao outro dia,
Vai seguindo a romaria,
Para não faltar ao dever;
É por isso que o Araújo
Há muito quem tenha inveja
De tão bons amigos ter.

O carteiro Araújo


Fonte: Rev. Lusitana

VERSOS DE BOAS FESTAS - 2

BOAS FESTAS
De um funileiro

Cá está ele, o funileiro
Que todo o ano deita pingos,
Mas, segundo a nova lei
Nem mais um aos domingos.

É sempre de costume
Vir a criada apressada:
Deita-me aqui um pingo
Nesta panela furada

Sim, senhora, e porque não?
Estou pronto a satisfazer
Porque espero para o Natal
A consoada receber.


Fonte: Rev. Lusitana

sábado, 6 de dezembro de 2008

VERSOS DE BOAS FESTAS - 1

Era um costume antigo, nesta época do ano, os “carteiros, boletineiros, vendedores ou distribuidores de jornais, engraxadores, funileiros, os operários ou empregados das oficinas (de que se é freguês) etc.”, darem as “boas festas” e pedirem a consoada através de versos impressos. Os versos ou eram feitos pelo próprio interessado ou por pessoa entendida a quem ele recorresse.
De uma colecção destes versos, recolhidos e publicados por Cláudio Basto, vou transcrever alguns a partir de hoje:

BOAS FESTAS
(De um engraxador)

Neste viver desgraçado
Em que a vida é cruel
Vem um pobre escorraçado
Mendigar para o farnel

Limpo botas e sapatos
É a minha profissão;
Tapo todos os buracos
Fica tudo na perfeição

Não pode levar a mal
Com a minha exigência,
De na festa do Natal
Cumprimentar Vª. Exª.

Raimundo engraxador

Fonte: Rev. Lusitana

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

COMPARAÇÕES POPULARES

A comparação é uma forma popular utilizada, geralmente, para clarificar uma adjectivação tornando-a objectiva através da escolha do termo comparado. Pode também ser utilizada para enfatizar uma afirmação.
A maior parte das comparações da lista que se segue são comuns ao todo nacional sendo que, de muitas delas, se encontram exemplos similares em outros países.

Amarelo como cera
Amargo como fel
Azedo como vinagre
Bêbado como um cacho
Beber como uma esponja
Bom como melão
Bom como o milho
Branco como a cal
Branco como a neve
Bravo como um touro
Burro como uma porta
Cair com um anjinho
Cair como um pato
Cantar como um rouxinol
Caro como fogo
Chato como um prato
Chato como um prego
Claro como água
Comer como uma frieira
Comer como um padre
Comer como um pinto
Correr como uma zabaninha
Doce como mel
Dormir como um justo
Dormir como um porco
Escuro como breu
Esperto como um alho
Falar como um doutor
Feio como um bode
Feio como um burro
Feio como o pecado
Fino como um rato
Força como um cavalo
Forte como uma torre
Gordo como um batoque
Gordo como um texugo
Leve como uma pena
Lindo como uma estrela
Lindo como uma flor
Lindo como o sol
Magro como um cão
Mau como uma barata
Mau como as cobras
Molhado como um pinto
Nadar como um prego
Negro como um tição
Parir como uma porca
Pernas como um graveto
Preto como uma amora
Seco como a palha
Suar como um cavalo
Tapado como uma parede
Traiçoeiro como o mar
Traiçoeiro como a morte
Triste como a morte
Triste como a noite escura
Velho como os caminhos
Vermelho como um tomate

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

DEZEMBRO E SEUS SANTOS PROTECTORES

Dia 04 – Santa Bárbara – advogado contra trovões e raios e patrona dos artilheiros;
06 – S. Nicolau – advogado das donzellas pobres e desamparadas;
08 - Nossa Senhora da Conceição – Padroeira do Reino e Conquistas, e patrona dos correeiros;
13 – Santa Luzia – advogada contra as doenças de olhos;
23 – S. Sérvulo – advogado contra a paralysia;
27 – S. João, apostolo e evangelista – advogado contra o veneno e patrono dos typographos
31 – S. Silvestre – advogado contra os perigos de caminhos.

Coligido por Thomás Pires - Rev. Lusitana - Vol IV

A FÉ É QUE NOS SALVA


“Uma rapariga que estava muito doente e já desenganada dos médicos, pediu ao noivo, que ia a Jerusalém, que lhe trouxesse da cidade santa um pedaço da madeira da Cruz em que Christo foi pregado, para tomar em vinho, a ver se assim melhorava. O namorado esqueceu-se do pedido da moribunda e, na volta, cortou um bocado de madeira do navio em que vinha, para enganar a rapariga, e como esta se achasse curada completamente, depois de o tomar, dissolvido em vinho, elle então comentava: A fé é que nos salva neja o páo da barca”.

Este conto tradicional, provavelmente incompleto, foi recolhido em S. Miguel, mas acreditamos que era conhecido nas restantes ilhas dos Açores e até mesmo no continente Português.

Outro conto que também justifica o rifão foi registado no Fundão:

“Duma ocasião mandaram um homem à cata dum saibio, pra curér’ mas maleitas. Na caminho perdeu-se e incontrou um rio. Atravessou-o atão n’ma barca, mas ‘squeceu-se de proguntar pelo saibio. Quando voltou, trouxe um bocadinho de pau da barca, mandou fazer um coz’mento, e dixe qu’o saibio é que tinha mandado. E com tam bôa fé o boêram, que figirem nas maleitas. E o homem dezia atão qu’a fé é que nos salva, e noêja o pau da barca”.

.O que ambos os contos têm em comum é o lapso de memória do personagem, sendo este acidente o elemento central que prepara e justifica a conclusão. Se no primeiro conto não encontramos pistas que nos levam a determinar qual a razão para o esquecimento do noivo, já no segundo, recorrendo à sabedoria popular, podemos descobrir a causa próxima que levou o homem a obliterar o motivo da sua missão: atravessar um rio. Com efeito Leite de Vasconcelos registou alguns factos curiosos sobre as crendices populares relacionadas com as águas, como esta: "Quem atravessar um rio deve apanhar um seixinho e metê-lo na boca para se não esquecer do modo de falar da sua terra". Ou esta outra tradição popular antiga em que se acredita que "atravessar um rio faz perder a memória a quem o passa".
Fonte: José Monteiro

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

QUEM VÊ OLHOS...

É frequente, nas formas de expressão popular – cantigas, adágios, rifões, etc.-, o povo denunciar a sua predilecção, simpatia ou antipatia pela cor dos olhos, e por ela fazer uma avaliação, embora não unânime, dos predicados morais do seu portador.

Para uns “olhos verdes: onde os virdes fugi deles” ou “olhos verdes, olhos de traidor” como lemos na colecção de provérbios de Perestrelo da Câmara.
A mesma opinião teve quem, sobre os olhos verdes cantou:

Olhos verdes não os quero
Pois são sinais de traição…
Dizem esperanças à vista
Tristezas ao coração

e ainda esta

Os teus olhos verdes, verdes
São duas grandes mentiras;
O verde é cor d’esperança
E tu a esp’rança me tiras

Desta antipatia aos olhos verdes discorda D. Francisco Manuel de Melo, (Lisboa, 23 de Novembro de 1608 – 24 de Agosto de 1666):
“Vossês são os que se agastam, nós é que podíamos queixar-nos; porque quem não gosta de uns olhos verdes, não tem bom gosto” escreveu ele na terceira parte da segunda fábula da sua “Feira de Annexins”.

Ainda sobre os olhos verdes

Olhos verdes, cor de esp’rança
Olhos verdes, cor do mar
Quem tem amores é criança
Sou criança por te amar

Também para os “olhos azuis” encontramos referências pouco abonatórias no adagiário português: “olhos azuis em gente portuguesa, é má natureza” ou ainda “olho azul em português, é má rês”.

Os olhos pretos são também acusados de infidelidade, a dar fé às seguintes quadras populares:

Quem diz ser de gala o preto
Entende pouco de cores;
Eu amei dois olhos pretos
Ambos me foram traidores

Teus olhos, contas escuras
São duas Ave-Marias,
Dois Rosários de amarguras
Que rezo todos os dias

No entanto são bem mais condescendentes para os olhos de cor negra as seguintes quadras que o povo canta:

Graças a Deus que chegou,
É chegado não sei quem…
Chegaram dois olhos pretos
A que os meus querem bem

Menina do lenço preto
E olhos da mesma cor,
Diga a seu pai que a case,
Eu serei o seu amor

Os teus olhos, negros, negros,
São como a noite fechada:
Apesar de serem negros,
Sem eles não vejo nada.

Olhos merecedores de plena confiança são os castanhos:

Olhos pretos são falsos
Os azuis são lisonjeiros
Os olhos acastanhados
São os leais verdadeiros

Olho branco é que convém não ter:

“Olhos brancos em cara portuguesa, ou filho de potra ou da natureza”

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"THESAURUS PAUPERUM"

Papa João XXI
Ainda sobre os efeitos do alho no tratamento do carbúnculo achei interessante este exemplo extraído de “Thesaurus pauperum” – “Tesouro dos Pobres” (um receituário com indicações para muitas doenças comuns) da autoria de Pedro Julião, conhecido como Pedro Hispano, filósofo e médico nascido em Lisboa por volta de 1205, e que veio a ser eleito Papa a 13 de Setembro e coroado com o nome de João XXI a 20 do mesmo mês de 1276:

“Contra o antraz:
Primeiramente faça-se uma sangria no lugar em que está o antraz. Se a matéria vier da parte de cima do pescoço, faça-se a sangria da veia hepática. Se for do lado do coração, [faça-se da veia] cardíaca; feito isso, prepare para si o seguinte remédio: colocar por cima farelos cozidos com vinagre; da mesma forma, colocar alhos amassados com sal, siler e amoníaco, colocando por cima dissolvido em vinagre. Também vale beber ou colocar em volta teriaga. Também vale colocar diamante ou safira perto de qualquer pessoa. Também colocar por cima a crista de galo ou galinha atrai o veneno. Antes de colocar tudo isso, verifique se há lá veneno e atraia o mesmo com linha ou outra coisa. Repita-se, para não ficar lá, e aplique-se em volta ceruso, isto é, alvaiade, diluída com óleo de rosas, suco de erva-moura e um pouco de farinha de cevada; e aplique-se em um ponto sadio. Também dizem que a consolta menor triturada entre duas pedras, por milagre divino, cura o antraz. Diz-se que aplicar por cima dos carbúnculos gemas de ovo cruas, trituradas com igual quantidade de sal, faz bem.”

sábado, 15 de novembro de 2008

O SEGURO MORREU DE VELHO

O carbúnculo hemático é uma das zoonoses mais temidas pelos nossos lavradores. Devido às suas características sintomáticas é, por vezes, de tardio diagnóstico. A morte é quase sempre o desfecho natural e por vezes é tão rápida que só depois se percebem os sintomas.
Na ilha Terceira esta enfermidade era vulgarmente denominada por “cabrum” e, por isso, associada ao gado caprino e ovino. Daí que em quase todos os rebanhos de gado bovino houvesse sempre uma ou duas cabras ou ovelhas para que, no entender popular, se surgisse um surto desta terrível doença, eles fossem os primeiros animais a serem atingidos. Assim avisados os lavradores poderiam então tomar as devidas providências.
Aí pela década de 80 do sec. XX os Serviços Veterinários promoveram, como medida profilática, uma campanha de vacinação contra o carbúnculo, na qual eu também participei.
Um belo dia, num curral na zona do Paul, apercebemo-nos que, após a aplicação da vacina, os homens levavam o animal dominado para um outro canto do recinto onde, de uma forma mais ou menos dissimulada, consumavam um procedimento que nós não conseguia-mos identificar. Curioso, aproximei-me dos homens e vi que um deles, de navalha em punho, abria um pequeno golpe na pele da pá da mão do bovino onde introduzia um dente de alho.
A minha curiosidade levou-me a perguntar, de imediato, o porquê desta prática. A resposta saiu pronta da boca do lavrador:
- Desde pequeno que lido com rezes e sempre ouvi meu pai falar das doenças que elas têm. E também sempre ouvi dizer como é que elas se tratam. E para o “cabrum” sempre se vacinou com um dente de alho, concluiu o meu interlocutor com veemência.
Meio atordoado com a resposta, atrevi-me a perguntar de novo: “Então para quê este trabalho todo? Bastava fazer uma vacina!
- Pois…mas se uma não pegar pega a outra. O seguro morreu de velho!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

UM FAZEDOR DE SANTOS

O Tio Alvarino da Serreta

(foto retirada do livro "Filósofos da Rua" de Augusto Gomes)

Quando conheci o Tio Frederico,na década de 70 de 1900, já ele me parecia velho. Tinha “venda” de mercearia e bebidas na fronteira de Santa Bárbara com as Doze Ribeiras. Era um conforto os minutos que, por motivos profissionais, passava com ele na visita semanal das terças. Sempre cheio de “salamaleques” todas as conversas terminavam num irrecusável “mata-bicho”. Testemunhas deste cerimonial eram os três ou quatro pequenos cálices de vidro lascados que conheciam o hálito de todos os fregueses. Para mim estava sempre reservado o do Tio Alvarino. O tempo foi passando e com ele foi crescendo a minha curiosidade de conhecer o homem que ficara perpetuado num pequeno e lascado cálice de vidro da venda do Tio Frederico. Para não ser muito directo com receio de alguma indiscrição, perguntei um dia ao meu bom amigo: “deve ter sido uma pessoa importante, este Tio Alvarino? Pelo sorriso do meu interlocutor tive a certeza de que a pergunta pecava por tardia. O seu corpo baixo e franzino, agitou-se realçando o nervoso miudinho que o caracterizava.
- Mais um “calsinhos”, disse ele (para mim uma aguardente traçada com aniz e para ele um whisky, por lhe ter sido proibido pelo médico beber bebidas brancas).
- O tio Alvarino era um “carroceiro” da Serreta que todos os dias que Nosso Senhor “botava no mundo” aparelhava o seu inseparável “gigante” e, manhã cedo, ala até à cidade. Para baixo, sempre ligeiro, recolhia ele as notas de encomendas para comprar nas lojas de Angra. Ao fim do dia, no regresso, carroça carregada, a viagem era bem mais lenta. Em cada venda apeava-se o Tio Alvarino e, depois de entregue a mercadoria, bebia o seu “calsinho”, isto em todas as paragens e também na do Tio Frederico. Claro que o resultado final era uma diária e quase permanente carraspana. Aconselhavam-no os amigos: “Ó Alvarino, estás a dar cabo de ti!” mas nada, era sempre a mesma coisa todos os dias.
- “Ó Alvarino, coitada da tua mulher” – disse-lhe um dia o Tio Frederico enquanto atestava o cálice que hoje prepectua o seu nome – “Chegares a casa todos os dias bêbado, sem te lamberes. Para te sofrer, só mesmo uma santa!” – e reforçou – “Coitada! Ela é mesmo uma santa!
Sem espanto, e acenando em consentimento, enquanto limpava a boca à manga do surrado capote, respondeu de pronto o Tio Alvarino: -“É uma santa sim senhor! Mas... a mim o deve!”

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

PEDITÓRIO PARA A FESTA DO ESPÍRITO SANTO



No segundo domingo do mês de Novembro é costume fazer-se o peditório para o Bodo do Domingo da Trindade do Império de S. Luís. Este ano cumprir-se-há a tradição. Para tal já estão organizados os mordomos e seus ajudantes para percorrerem, a pé e de porta em porta, toda a freguesia de S. Bento.

Há alguns anos atrás este peditório era feito com um carro-de-bois enfeitado com ramos de faia da terra e bandeiras. O contributo dos irmãos era, sobretudo, constituído por productos da economia agricola familiar: milho, abóboras, feijão, batata doce e da terra, coelhos , galinhas, etc. que eram acomodados de forma criteriosa dentro da "sebe". Para os ovos, que também abundavam, levava-se um cesto de vimes acalchoado com verduras. O resultado do peditório era depois arrematado junto ao Império.

Em Lisboa, em meados do sec. XIX, conforme a "estampa" de João Palhares (1810 -1875), depositada na Biblioteca Nacional com data de 1850, também se pedia para a Festa do Espírito Santo. À excepção da gaita de foles, todos os outros elementos representados nesta iconografia, são-nos familiares: a opa, a bandeira, a saca vermelha e até o rapaz transportando a cesta dos ovos.

No próximo domingo os únicos adereços que os mordomos levarão serão as "sacas" vermelhas, suficientes para guardar e transportar o resultado da coleta e bastantes para fazer crer tratar-se de uma "comissão de império" que anda a fazer o peditório para a festa do Espírito Santo.

UM GALO BRANCO PARA S. LUÍS

Recorrer a S. Luís para resolver o problema da fala tardia de uma criança é um costume que, embora com menos frequência, ainda se manifesta na ilha Terceira.

Não sei se esta tradição prevalece noutras paragens onde, em tempos idos, também era comum, apesar dos diferentes procedimentos.

Por exemplo no Cadaval, no século XIX, devia alguém, de preferência a mãe, pegar ao colo na criança com o atraso e gritar-lhe ao ouvido: “S. Luís, S. Luís: dai fala ao meu menino para eu saber o que ele diz”.

D. Francisco Manuel de Melo, (Lisboa, 23 de Novembro de 1608 – 24 de Agosto de 1666) perfeito conhecedor da vida popular portuguesa do sec. XVII diz na sua “Feira de annexins”, pag 97: “Ora você não falla? S. Luís dae falla ao menino”.

Em França Henri Gaidoz em “Un vieux rite medical” pag. 48, revela-nos o costume de fazer passar a criança de fala retardada debaixo do andor de S. Luís em procissão.

Na ilha Terceira o problema não se resolve com palavras: a criança não falará enquanto não for deixado na ermida própria um galo branco a S. Luís.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

UMA COISINHA DE PÃO POR DEUS


Pedir "pão-por-Deus" é talvez a única tradição popular infantil, transversal a várias gerações, que se mantém bem viva entre nós.

Todos os anos, pelo dia de Todos-os-Santos, saem à rua bandos de crianças de todas as condições sociais munidas de "sacas" previamente acauteladas, que vão de porta em porta apelar à dádiva em nome de Deus.
A expectativa de quem pede hoje fica-se por alguma moeda ou guloseima (influência do "halloween"?). Para tal bastará ter uma pequena "saca" onde caberá todo o pecúlio.
Há uns cinquenta anos atrás, principalmente no meio rural, era necessário uma "saca" bem maior. Nela teria de caber: milho em soca ou já debulhado, feijão, batata doce crua ou - que delícia - já assada, alguma castanha, abóbora e tudo o que a economia doméstica pudesse produzir.
Pedir "pão-por-Deus" era, com ainda hoje é, um exercício de partilha. Quem pede fá-lo sem constrangimento; quem dá não não o faz por caridade.
Se por qualquer motivo uma porta não se abrisse ou houvesse uma recusa ao pedido, ontem tal como hoje, a resposta da rapaziada não se fazia esperar: soca vermelha, soca rajada, tranca no cú, a quem não dá nada! E "ala botes, pernas para que vos quero" bater a outra casa e pedir mais "uma coisinha-de-pão-por-Deus".

MÊS DE NOVEMBRO E SEUS SANTOS PROTECTORES

Dia 3 – S. Clemente – advogado contra os naufrágios;
4 – S. Carlos Borromeu – advogado contra a peste;
10 – S. André Avelino – advogado contra a apoplexia;
11 – S. Martinho – protector dos bêbados;
24 – S. Romão, presbítero – advogado contra os perigos da água;
25 – Santa Catarina de Alexandria – advogada contra acidentes de trabalho e protectora das moças solteiras;
29 – S. Brás – advogado contra a afonia e doenças da garganta;

sábado, 25 de outubro de 2008

ADEUS CEGO, ADEUS VIOLA...

…diz-se quando algo está irremediavelmente perdido. Não sei precisar se este é um dito local mas bem poderia ter nascido de uma situação caricata protagonizada pelo Francisco Ceguinho, tocador de viola e cantador.
Nos finais do século XIX as festas do Império da Caridade das Figueiras do Paím da Praia da Vitória, que se realizavam, tal como hoje, no último domingo do mês de Setembro, terminavam invariavelmente com uma “toirada” à corda. Em determinado ano entenderam os mordomos substituir esta tradição por uma corrida de praça. Para tal o Largo das Figueiras do Paím foi transformado numa arena delimitada por palanques e camarotes que se encheram com pessoas da Vila e de fora dela.
O Francisco Ceguinho também não quis faltar à festa. Dentro do recinto, antes e no intervalo dos toiros, sempre guiado por um rapaz, parava o Cego em frente dos palanques cantando às pessoas de maior estatuto, começando sempre com a mesma cantiga, mudando apenas o terceiro verso onde cabia o nome do visado:

Fé, esperança e caridade
São três armas da virtude;
Senhor…fulano de tal
Lá vai à vossa saúde.

Entre cada quadra advertia o Cego o seu guia para que este tivesse atenção à saída do toiro.
Em determinada altura sai-se com esta:

Ò rapaz, toma cautela,
Repara bem p’rá gaiola;
Se eles soltam o bicho,
Adeus cego, adeus viola.

Isto dito rebenta um foguete e, no mesmo instante, sai para a arena um valente toiro puro que não vê mais ninguém à sua frente do que o nosso indefeso cantador. Resultado: Cego para um lado, viola para o outro feita em mil pedaços.
Até parece que estava a adivinhar!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

"AMANHÃ JEJUA O PRETO"...

…diz-se a quem adia sucessivamente uma obrigação. Este ditado, que ouvimos em todo o país, tem, como muitos outros, uma história que o justifica.
Conta-se que “certa vez um preto foi à confissão e recebeu do padre como penitência jejuar no dia seguinte. O penitente, com medo de se esquecer, pediu ao padre que lhe escrevesse num papel o dia em que haveria de cumprir a penitência. O padre escreveu:
“Amanhã jejuará o preto!”
Todos os dias lia o preto o papel. Como nele dizia “amanhã” descansava o preto:
“Inda bem que nã ser hoje”.
E nunca jejuou.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

VÁ DENTRO!

(Foto: Bagos d'Uva)


Vender vinho à “porta” é hoje, tal como ontem, prática comum nas casas agrícolas onde a produção excede o auto consumo. Para dar a conhecer este intento aos possíveis compradores basta colocar à porta de casa, de forma bem visível, um ramo de videira. É também assim que as pequenas mercearias de freguesia e alguma “tasca manhosa” – das poucas que ainda resistem – anunciam a chegada do “vinho novo”.
As tascas e tabernas que abundaram em Angra do Heroísmo até à década de 70 de século passado, e que desapareceram por completo após o grande terramoto de 1980, utilizavam o mesmo recurso com o mesmo fim.

Sobre esta prática tradicional escreveu Sousa Viterbo um artigo intitulado “Estudos Ethnográphicos” publicado na Revista Lusitana Vol XXIII de 1920:

Numa porta se põe o ramo, e noutra se vende o vinho”

Este provérbio alude ao antiquíssimo costume de se pendurar um ramo à porta das tabernas, como sinal de venda de vinho.

Entre nós usava-se, geralmente, o ramo de louro, certamente porque esta planta era uma das dedicadas a Baco pelo paganismo. Também se usava um ramo de pinho.
Baco, Sileno, os Faunos, os Sátiros, as Bacantes e, em geral, os deuses campestres, representavam-se rodeados de louro.
Não sei se os romanos empregavam louro como insígnia da venda de vinho, mas do uso da hera (que também era consagrada a Baco) há o testemunho dos provérbios: a) Vino vendibili non opus est hedera; b) Laudato vino non opus est hedera; c) Vino vendibili suspensa hedera nihil opus.

Na Pranto de Maria Parda, de Gil Vicente, Maria Parda vendo as ruas de Lisboa com poucos ramos nas tabernas e o vinho tão caro, lamenta-se amargamente:

Ó travessa Zanguizarra
De Mata-porcos escura,
Como estás de ma ventura
Sem ramos de barra a barra”

E mais adiante:

“Que foi do vosso vinho,
E tanto ramo de pinho,
Laranja, papel e cana,
Onde bebemos Joanna
E eu cento e hum cinquinho


Camões (Filodemo, act. II, sc.2ª) alude também ao ramo de pinho: “Oh maravilhosa pessoa! Vós he certo que vos prezais de mais certo em casa, que pinheiro em porta de taverna…”.

Conta Garcia de Rezende que certo fidalgo, indo uma vez falar a D. João II, depois d ter conferenciado com a botelha mais do que seria justo, mascou uma porção de loiro para disfarçar o cheiro. Era já nesse tempo, como agora, o ramo de louro a insígnia ovante dos templos de Baco. O rei percebeu logo o louro e o que ele ocultavae, virando-se para o fidalgo, perguntou-lhe, com um sorriso: “Fulano, debiaxo desse louro, quanto vale e canada?”

Os provérbios atestam a generalização, em outros países, do uso de um ramo à porta, como insígnias dos taberneiros.
Em França, já no século XVIII se dizia: A bom vin il ne faut point de bouchon – e isto porque naquele país era tradicional o ramo à porta das tabernas, como se vê do Dictionnaire Universel, de Furetiére (Rotterdam, 1708, vb. “bouchon”: “Bouchon de taverne,est un signe qu’ont met à une maison pour montrer qu’on y vend du vin à port. Il est fait de lierre, de houx, de ciprés, & quelquefois d’un chou. Les Taverniers payent un droit de bouchon”.

Francesco de Alberti, no seu Nuovo Dizionario Italiano-Francese (Bassano, 1777), vb.
“ frasca”, insere o provérbio “al buon vino non bisogna frasca” e revela-nos nos seguintes termos o uso do ramo em Itália: “Il buon vino non há bisogno d’allettamento, e di contrassegno, tolta la metaf. Da quella frasca, che mettono i Tavernaj sopra le porte, quando fanno qualche manomessa di vino per allettare la gente”.

Bohn, no seu livro “A polyglot of foreign proverbs”, inclui o provérbio holandês “goede wijn behoeft geen kraus” (o bom vinho não precisa ramo).

Expressa-se nos mesmos termos o provérbio inglês “good wine needs no bush”.

Do uso do ramo em Espanha não tenho presente nenhum provérbio comprovativo, mas dele fala António de Trueba, num conto publicado in “La Ilustración Española y Americana” ano XIX, nº 31: “Una hermosa tarde del verannilo de San Martin, que es precisamente cuando la justicia permite poner ramo para la venta de los vinos nuevos…”.

O missionário Fr. João dos Santos testemunha o uso do ramo à porta das tabernas, na Índia, quando, na sua Etiópia Oriental (Évora, 1609) liv. I, cap.XV, refere o seguinte: “Outro elefante houve nesta ribeira, chamado Perico, muito nomeado e conhecido na Índia. Este era grande bêbado: e todas as vezes que passava por alguma casa onde estivesse ramo de vinho, se punha á porta, metia dentro a tromba, e não se bulia dali até lhe darem de beber”.


Digo eu: não hei-de estranhar o dia em que, num qualquer país deste mundo de Deus, para além do ramo à porta, ouça também alguém gritar: “VÁ DENTRO!”.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

OS SANTOS ADVOGADOS

Para os católicos, o segundo Mandamento da Lei de Deus determina "não tomar o Seu Santo Nome em vão". Talvez por esse motivo e na observância rigorosa desta Lei, a relação diária que o "povo" mantém com o Divino aconteça com recurso à utilização de um intermediário que, por sua intercessão, faça chegar ao Pai os seus humildes pedidos de protecção: "são os Santos Advogados, Protectores e Padroeiros".

Segundo uma lista publicada por A. Thomás Pires na "Revista Lusitana" vol IV de 1896, eis alguns que se celebram no mês de Outubro:

Dia 8 - S. Brigida, advogada contra as dores de cabeça (depois de 1970 passou a ser celebrada no dia 23 de Julho);

10 - S. Francisco de Borja, advogado contra os terramotos e padroeiro do Reino e das conquistas;

13 - S. Eduardo, advogado contra a gota coral e desmaios;

19 - S. Pedro d' Alcantara, advogado universal para conseguir o que lhe pedirem;

20 - S. João Câncio, advogado contra as febres;

24 - S. Rafael Arcanjo, advogado dos enfermos e caminhantes;

25 - S. Crispim e S. Crispiniano, primitivos padroeiros de Lisboa e patrono dos sapateiros;

31 - S. Quintino, advogado contra a surdez e mal dos ouvidos.

"TOC' A MÚSICA"...

...toda!... sem elitismos nem adjectivos.

Viva a Música!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

OS DONS DO ESPÍRITO SANTO

José Orlando Bretão (Angra do Heroísmo, 14 de Abril de 1939 — Angra do Heroísmo, 24 de Outubro de 1998) foi um distinto advogado do movimento sindical e acérrimo defensor da democracia durante a vigência do Estado Novo.
Como estudioso do folclore açoriano, em especial das danças de Carnaval e das festividades do Espírito Santo, José Bretão deixou-nos imensa e preciosa informação recolhida junto do povo simples do "campo", como por exemplo este depoimento registado em 1996 de Gregório Machado Barcelos, lavrador octagenário, quando questionado sobre os "dons do Espírito Santo"(1):

"É bom que o senhor me pergunte, porque acho que na cidade falam, falam e acertam pouco. Sem ofensa, até acho que não sabem nada, de nada. Mas eu digo como é que meu pai dizia e o pai dele lembrava muitas vezes como era. Eu digo que os dons do Espírito Santo são sete e são sete porque é assim mesmo, é um número que vem dos antigos, como as sete partidas do Mundo ou os sete dias da semana e não vale a pena estar a aprofundar muito porque não se chega a lado nenhum e só complica. E o primeiro dom do Espírito Santo é a Sabedoria – é o dom da inteligência e da luz. Quem recebe este dom fica homem de sabença. Os apóstolos estavam muito atoleimados e cheios de cagança e veio o Divino que botou o lume nas cabeças deles e eles ficaram mais espertinhos. Depois vem o dom do Entendimento. Este está muito ligado ao outro, mas aqui, quer dizer mais a amizade, o entendimento, a paz entre os homens. Este é assim: o Senhor Espírito Santo não é de guerras e quem tiver pitafe dum vizinho deve de fazer logo as pazes que é para ser atendido. E o terceiro dom do Espírito Santo é o do Conselho – o Espírito Santo é que nos ilumina a indica o caminho. É a luz, o sopro ou seja, o espírito. É por isso que tem a forma de uma Pomba, porque tudo cria e é amor e carinho. O quarto dom é o da Fortaleza, que vem amparar a nossa natural fraqueza – com este dom a gente damos testemunho público, não temos medo. Quem tem o Senhor Espírito Santo consigo tem tudo e pode estar descansado. Depois vem o dom da Ciência, do trabalho e do estudo. O saber porque é que as coisas são assim e não assado. É não ser toleirão nem atorresmado como muitos que há para aí. O senhor sabe! O dom da Piedade e da humildade é o sexto dom. Quer dizer que o Senhor Espírito Santo não faz cerimónia nem tem caganças. Assim os irmãos devem ser simples e rectos. E depois, por derradeiro, vem o sétimo dom que é o Temor mas não é o temor de medo. É o temor de respeito – para cá e para lá. A gente respeita o Espírito Santo porque o Senhor Espírito Santo respeita a gente. Temor não é andar de joelhos esfolados ou pés descalços a fazer penitências tolas: é fazer mas é bodos discretos com respeito mas alegria que o Espírito Santo não tem toleimas nem maldades escondidas. É isto que são os sete dons do Espírito Santo e o senhor se perguntar por aí ninguém vai ao contrário, fique sabendo".


(1)Hélder da Fonseca Mendes, Festas do Espírito Santo nos Açores - Proposta para uma leitura teológico-pastoral. Angra do Heroísmo, 2001: 90-91

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O POETA, O POVO E O VINHO


Babrius foi um poeta romano que viveu entre os séculos II e III d. C ,e que tinha a particularidade de escrever fábulas em grego.

É-lhe atribuído o seguinte pensamento que vai direitinho e por inteiro para “Bagos D' Uva”, um dos “blog’s” de visita diária obrigatória:

"O grau de civilização de um povo é sempre proporcional à qualidade e à quantidade dos vinhos que consome."


Quem sabe, sabe! À vossa!

CONSERVATÓRIO POPULAR


Houve e há, apesar das desordens que a civilização traz, pequenos povos encantadores que aprendem música tão naturalmente como se aprende a respirar. O seu conservatório é o ritmo eterno do mar, o vento nas folhas e mil pequenos ruídos que escutaram com atenção, sem jamais terem lido despóticos tratados.


Claude Débussy (n. Saint Germain-en-Laye 1862; m. Paris 1918)

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

XXIV FESTIVAL INTERNACIONAL DE FOLCLORE DOS AÇORES


A grande festa do folclore está de volta aos Açores. Desta feita com o carimbo oficial do CIOF. O cartaz promete: 8 grupos internacionais representantes da República Checa, Colômbia, França, Hungria, Itália, Polónia, Sérvia e Espanha; 4 nacionais: Grupo Típico de Ançã, Rancho Folclórico da Casa do Povo de Arcena, Rancho de Folclore e Etnografia "Os Ceifeiros da Bemposta" e, em representação da Região Autónoma, o Grupo Folclórico e Etnográfico "Ilha Morena" da Ilha do Pico.

A realização de um festival com esta envergadura numa região isolada no meio do Atlântico só é possível com muito trabalho da entidade organizadora - o COFIT que este ano comemora as bodas de prata -, dos seus colaboradores e, não menos importante, com o apoio indispensável de organismos oficiais e privados.

Faço votos para que, mais uma vez, o Festival seja um êxito e volte a ser considerado, por isso, de "O Melhor Festival de Folclore de Portugal".

quarta-feira, 16 de julho de 2008

PARABÉNS...



...ao Grupo de Baile da Canção Regional Terceirense, que prefaz hoje 42 anos após a sua primeira apresentação pública, e a todos os que com ele colaboraram ao longo da sua existência. Dos que ainda estão entre nós e, sobretudo, daqueles que já partiram para a grande viagem, de todos guardo em lugar de honra um terno sentimento de saudade. Mas recordo, sobretudo, a alegria que nos invadiu naquele memorável serão da celebração do 89º aniversário da nossa querida "RECREIO DOS ARTISTAS". Ainda sinto o arrepio dos "viva" e dos "bravo" e dos prolongados aplausos que, durante vários minutos, ecoaram pela esplanada completamente lotada da "Recreio".


...à Sociedade Recreio dos Artistas que comemora também hoje o seu 131º aniversário. Meritória Instituição Angrense a quem todos os terceirenses muito devem e que ao longo dos tempos nos tem honrado com as suas iniciativas. Por ela o Grupo de Baile da Canção Regional Terceirense nutre um saudável sentimento filial.


segunda-feira, 23 de junho de 2008

BANDEIRA À JANELA


O D.O.P. – Departamento de Oceanografia e Pescas do Pólo da Horta da Universidade dos Açores acaba de ser classificado pela insuspeita e respeitável revista científica Research como uma instituição de EXCELÊNCIA a par de outras congéneres mundiais. Esta distinção premeia o trabalho ali desenvolvido no estudo dos oceanos e no contributo dado à defesa da sua biodiversidade.
É para o D.O.P. e sobretudo para os seus investigadores que coloco a minha bandeira à janela!

terça-feira, 3 de junho de 2008

DO PÉ DESCALÇO À ALPERCATA

No final do paleolítico, como nos comprovam pinturas dessa ápoca descobertas em grutas do sul da Europa e da Peninsúla Ibérica, já o homem utilizava uma protecção para os pés que podemos considerar, sem relutância, como uma peça de calçado. Os materiais disponíveis então variavam entre cascas de árvore, folhas e fibras vegetais ou pedaços de couro que eram atados com tiras da mesma natureza.

Do outro lado do atlântico surgem-nos informações arqueológicas idênticas.


Sandália pré-histórica da América do Norte feita em esparto



Sandália de esparto, IX milénio a.C.

Em muitos achados arqueológicos foram identificados alguns utensílios que serviriam para raspar as peles o que indicia que a sua curtimenta terá sido uma das primeiras industrias do homem. Esta teoria é confirmada pela abundância de referências que se encontram nas pinturas descobertas em construções fúnebres - hipogeus - onde estão representados vários passos no preparo do couro e do calçado.

O que inicialmente era apenas um objecto utilitário de protecção dos pés evoluiu a par do desenvolvimento da humanidade. No Egipto e na antiga Roma o calçado era já indicativo da classe social.


Solea romana


Apesar da diversidade geográfica os modelos deste rudimento de sapato são muito semelhantes. A utilização do couro, mais resistente, generaliza-se e vem substituir os outros materiais.


Sandália de couro judia de 72 d.C.

Alpercata terceirense

No meio do Atlântico, na Ilha Terceira, tal como nas restantes que formam o arquipélago dos Açores, esta forma de calçado perdurou até aos nossos dias. E tal como aconteceu em toda a sua evolução, manteve-se praticamente inalterável na forma, apenas sofrendo alterações nas materias utilizados. As últimas que vimos eram feitas com borracha de pneus velhos.

sábado, 31 de maio de 2008

ADÁGIOS DE JUNHO


A chuva de S. João tolhe a vinha e não dá pão.
Ande o Verão por onde andar pelo S. João há-de chegar.
Chuva de Junho mordedura de víbora
Chuva junhal fome geral
Em Junho abafadiço fica a abelha no cortiço.
Em Junho foice no punho.
Enxame de Junho nem que seja como punho
Guarda lenha para Abril, pão para Maio e o melhor tição para o S. João.
Junho calmoso, ano famoso.
Junho chuvoso ano perigoso
Junho floreiro, paraíso verdadeiro.
Junho quente, Julho ardente.
Junho, dorme-se sobre o punho.
Lavra pelo S. João e terás palha e pão.
Pelo S. João deve o milho cobrir o chão.
Pintos de S. João pela Páscoa ovos dão.
Sol de Junho amadura tudo
Sol de Junho madruga muito.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

CARROS DE TOLDO

Os "carros de toldo" são um ex-libris dos bodos na ilha Terceira. Hoje com maior visibilidade nas freguesias do "ramo grande"mas noutros tempos comuns a toda a Ilha.

Até meados do séc. passado ir a uma "festa" era uma verdadeira festa. As famílias reuniam-se em grupo com os parentes mais chegados ou com os amigos e "botavam-se" ao caminho quase sempre ainda antes do sol nado. Chegar cedo era sinal de se "arranjar" os melhores lugares.


Os homens seguiam a pé ou a cavalo, se fosse caso de ter algum "a modes". As mulheres e as raparigas tinham o previlégio de tomarem assento nas carroças de besta, mais ligeiras e cómodas, ou então nos "vagarozos", mas mais aconchegados, carros-de-bois preparados e apetrechados para o efeito com suas "sebes de toldo" cobertas por vistosas colchas para protecção do sol.

Ao longo de todo o percurso eram frequentes as paragens para descanso e "beberagem" das "alimárias", aproveitadas para desentorpecimento das pernas das mulheres, dormentes de tanto tempo cruzadas. Cantava-se, bailhava-se e petiscava-se.

Chegados ao arraial os carros eram estacionados lado a lado, de forma organizada. Os bois, depois de "descangados", eram levados a logradouro próximo, farto de água e sombra. As "cangas" e as "aguilhadas", ricamente ornamentadas com metal amarelo, eram colocadas ao alto junto aos carros. As coberturas poeirentas e desbotadas dos "toldos" eram substituídos por "escoimadas" colchas brancas. Os farnéis eram abertos e dispostos no seu interior sobre alva toalha de linho. Toda a gente era convidada a partilhar da abundância.


Tendo perdido a sua função de meio de transporte de outros tempos, os "carros de toldo" continuam a ser peças do cenário dos terreiros e da própria festa mantendo a função de se transformarem em sala de visitas dos seus proprietários.


Ano após ano cresce o número de "carros de toldo" colocados nos terreiros. E são também cada vez maiores os cuidados dispensados na sua preparação.



Uma verdadeira mostra do relicário que são as rendas e bordados feitos pelas mãos das mulheres da Terceira.



segunda-feira, 19 de maio de 2008

AFINAL...

Carro do Pão


Afinal a tradição ainda é o que era. Depois de ter publicado "O MAL MENOR" fiquei agradavelmente surpeendido pelo que vi: a distribuição do "bodo" do Domingo da Trindade do Império de S. Luís estava a ser feita em "carros-de-bois". Embora sem a exuberância de outros tempos os carros apresentavam-se dignos do propósito. Em louvor do Divino Espírito Santo.

Carro do Vinho

domingo, 18 de maio de 2008

E VIVA O SENHOR ESPÍRITO SANTO



Fui nomeado mordomo do Domingo da Trindade do Império de S. Luís.
E Viva o Senhor Espírito Santo!

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O MAL MENOR

Longe vai o tempo em que os "carros-de-bois" eram utilizados para a distribuição do pão e do vinho dos "bodos". A passada "pachorrenta" dos bois, a policromia dos arranjos de papel e das bandeiras, o cheiro intenso da "faia da terra" e o chiar caracteristíco produzido pelo atrito do eixo nas "cantadeiras" apenas perduram na recordação dos mais idosos. Para os mais novos, para que tenham uma ideia de como era, ficam as miniaturas. Do mal o menos.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

MAIOS


Com reminiscências pagãs cuja origem se perde no tempo, a tradição dos “Maios” entre nós (das “Maias” noutras regiões) ainda revela substantiva vitalidade, como se comprova pela foto que recolhi na freguesia de Vila Nova na ilha Terceira no 1º dia deste mês.

A única forma de perpectuar uma tradição é executá-la sempre com o mesmo espírito e dentro do mesmo contexto. No caso dos "maios" este é um elequente exemplo.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

CANTIGAS DE MAIO

ZECA AFONSO
Cantigas de Maio
(letra do refrão: popular)

Eu fui ver a minha amada
Lá p'rós baixos dum jardim
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para se lembrar de mim

Eu fui ver o meu benzinho
Lá p'rós lados dum passal
Dei-lhe o meu lenço de linho
Que é do mais fino bragal

Eu fui ver uma donzela
Numa barquinha a dormir
Dei-lhe uma colcha de seda
Para nela se cobrir

Eu fui ver uma solteira
Numa salinha a fiar
Dei-lhe uma rosa vermelha
Para de mim se encantar

Eu fui ver a minha amada
Lá nos campos eu fui ver
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para de mim se prender

Verdes prados, verdes campos
Onde está minha paixão
As andorinhas não param
Umas voltam outras não

Refrão:Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Para então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou

CANTIGAS DE MAIO

Maio, Maduro Maio / Zeca Afonso

Maio maduro Maio
Quem te pintou
Quem te quebrou o encanto
Nunca te amou
Raiava o Sol já no Sul
E uma falua vinha
Lá de Istambul

Sempre depois da sesta
Chamando as flores
Era o dia da festa
Maio de amores
Era o dia de cantar
E uma falua andava
Ao longe a varar

Maio com meu amigo
Quem dera já
Sempre depois do trigo
Se cantará
Qu’importa a fúria do mar
Que a voz não te esmoreça
Vamos lutar

Numa rua comprida
El-rei pastor
Vende o soro da vida
Que mata a dor
Venham ver, Maio nasceu
Que a voz não te esmoreça
A turba rompeu

ADÁGIOS DE MAIO



A boa cepa Maio a deita
A erva, Maio a dá, Maio a leva
A melhor cepa, Maio a deita
A velha, em Maio, come castanhas ao borralho
Água de Maio e três de Abril, vale por mil
Diz Maio a Abril: ainda que te pese me hei-de rir
Em Maio ainda os bois estão oito dias ao ramalho
Em Maio anda a velha a comer as cerejas ao borralho
Em Maio de calor, a todo o ano dá valor
Em Maio deixa a mosca o boi e toma o asno
Em Maio espetam-se as rocas e sacham-se as hortas
Em Maio o calor a todo o ano dá valor
Em Maio verás a água com que regarás
Em Maio, a chuvinha de Ascensão dá palhinhas e dá pão
Em Maio, a quem não tem, basta-lhe o saio
Em Maio, até a unha do gado faz estrume
Em Maio, cerejas ao borralho
Em Maio, nem à porta de casa saio
Em Maio, passarinho em raio
Fraco é o Maio que não rompe uma carroça
Guarda pão em Maio e lenha para Abril
Guarda pão para Maio e lenha para Abril, porque não sabes o ano há-de vir
Maio chuvoso e Junho caloroso fazem o ano formoso
Maio chuvoso, ano formoso
Maio claro e ventoso, faz ano rendoso
Maio couveiro não é vinhateiro
Maio é o mês em que canta o cuco
Maio frio, Julho quente, bom pão, vinho valente
Maio hortelão, muita palha e pouco grão
Maio jardineiro, enche o celeiro
Maio me molha, Maio me enxuga
Maio não dá capote ao marinheiro
Maio o deu, Maio o leva
Maio pardo, ano claro
Maio pardo, ano farto
Maio pequenino, de flores enfeitadinho
Maio que seja de gota e não de mosca
Maio ventoso faz o ano formoso
Maio ventoso, ano formoso
Maio ventoso, ano rendoso
Maio venturoso, ano venturoso
Mês de Maio, mês de flores, mês de Maria, mês dos amores
O Maio me molha, o Maio me enxuga
Quando em Maio arrulha a perdiz, ano feliz
Quem em Abril não varre a eira e em Maio não racha a lareira, anda todo o ano em canseira
Quem em Maio não merenda, aos finados se encomenda
Quem em Maio relva não tem pão nem erva
Trovões em Maio, morte de padre

quinta-feira, 24 de abril de 2008

O TRIUNFO DAS VACAS




As condições edafoclimáticas favoráveis dos Açores permitem uma bovinicultura em regime de pastoreio permanente, proporcionando um producto final - carne e lacticínios - de excelente qualidade.

EM MEMÓRIA DO TOIRO E DO PASTOR




Entre o Pico Redondo e os Cinco Picos à entrada da Serra do Cume, dois sítios separados por cerca de 10 Km da recta da Achada, eu conheci, pelo menos, 4 destas fálicas construções, das quais apenas uma resistiu à devastação da modernidade. Nunca tive a certeza da sua real finalidade pelo que mantenho como segura a explicação dada por meu pai quando eu tinha os meus seis ou sete anos: "são abrigos para os pastores se protegerem do gado bravo". Por essa altura a Achada era um sítio inóspito, e longinquo onde só os bravos se atreviam. As pastagens que a ladeavam eram o habitat do gado bravo, paixão ancestral do nosso povo. É pois bem possível que houvesse a necessidade de criar sítios seguros, não fosse alguém dar de caras com um toiro tresmalhado ou uma vaca brava fugida da manada. Se esta sólida e estranha construção foi concebida com esse objectivo então estamos perante um verdadeiro - talvez o último - testemunho da história da criação de gado bravo na Ilha Terceira. Mas mesmo que tenha sido outra a sua finalidade não temos dúvida em afirmar que estamos perante um monumento popular único que urge estudar e preservar. Em memória do Toiro e do Pastor.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

CAFUGAS



Forma tradicional de conservação do "milheiro" - folhagem seca do milho - na ilha Terceira. Esta prática agricola caiu definitivamente em desuso, sendo hoje raros os exemplos vivos.

sábado, 19 de abril de 2008

ADÁGIOS DE ABRIL

Abril chuvoso, Maio ventoso e Junho amoroso, fazem um ano formoso
Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado
Abril frio: pão e vinho
Abril leva as peles a curtir
Abril molhado, sete vezes trovejado
Abril, Abril, está cheio o covil.
Abril, ora chora ora ri
Ao principio, ou ao fim: Abril costuma ser ruim
As manhãs de Abril são boas de dormir
Em Abril a natureza ri
Em Abril águas mil coadas por um funil.
Em Abril águas mil.
Em Abril queima a velha o carro e o carril.
Em Abril sai o bicho do covil.
Em Abril vai a velha onde quer ir e a sua casa vem dormir.
Em Abril cada pulga dá mil
Em Abril de uma nódoa tira mil
Em Abril lavra as altas, mesmo com água pelo machial.
Em Abril vai onde deves ir, mas volta ao teu covil.
Frio de Abril, nas pedras vá ferir
Guarda pão para Maio e lenha para Abril.
Inverno de Março e seca de Abril, deixam o lavrador a pedir.
Não há mês mais irritado do que Abril zangado.
Negócio de Abril só um é bom entre mil.
No princípio ou no fim, costuma Abril a ser ruim.
Por Abril, corta um cardo e nascerão mil.
Quando vem Março ventoso, Abril sai chuvoso.
Quem em Abril não varre a eira e em Maio não rega a leira, anda todo o ano em canseira.
Uma água de Maio e três de Abril valem por mil.
Vinha que rebenta em Abril dá pouco vinho para o barril.

quinta-feira, 20 de março de 2008

ADÁGIOS DO MÊS DE MARÇO


A sabedoria do povo bem como a sua experiência de vida individual e colectiva revelam-se de várias formas, onde podemos incluir também os adágios, rifões, anexims, provérbios, ditames, etc. . Estes ditos populares encerram, em síntese, o seu modo de sentir e reagir às mais variadas situações bem como o aconselhamento à resolução dos problemas com que se deparam no seu dia a dia, veiculando assim determinadas práticas de geração em geração. Muitas destas “sentenças” são comuns a todo o espaço nacional. Outras, porém, são específicas de determinada região.
Ficam aqui alguns sobre o mês de Março. Daqueles que ouvimos e ainda temos em memória.

Em Março chove cada dia um pedaço.
Em Março queima a velha o maço
Março amoroso faz o ano formoso.
Março amoroso, Abril chuvoso, Maio ventoso e S. João calmoso, fazem o ano formoso.
Março marçagão, de manhã focinho de cão, de tarde sol de verão.
Março marçagão, de manhã focinho de cão, ao meio-dia de rainha e à noite de fuinha.
Março trovejado, ano melhorado.
Março ventoso, Abril chuvoso
Quando o Março sai ventoso, sai o Abril chuvoso
Quem poda em Março vindima no regaço.
Se ouvires trovejar em Março, semeia no alto e no baixo.
Se queres bom cabaço, semeia-o em Março.

A ERMIDA DO ESPÍRITO SANTO EM ANGRA

Era o ano de mil seiscentos e quarenta, tempo da aclamação do rei D. João IV. Depois de assistir às solenidades da coroação, em Lisboa, Francisco Ornelas da Câmara, capitão-mor da Vila da Praia, regressou à Terceira com uma nobre missão: tal tinha sido o entusiasmo deste fidalgo que o rei o julgou capaz de submeter ao poder português o castelo de Angra, ainda dominado pelos castelhanos.
Ao chegar à ilha, Ornelas da Câmara comunicou ao capitão-mor da cidade de Angra, seu cunhado, João Bettencourt, a missão de que fora incumbido. Onze meses de dificuldades começaram, quer para os terceirenses que tentavam tomar o castelo, quer para os castelhanos que resistiam com bravura. Por fim estes, que haviam sofrido tantas necessidades, renderam-se honrosamente. Francisco Ornelas da Câmara tinha conseguido levar a bom termo a difícil missão, mas não gozou muito tempo o sabor da vitória. Logo apareceram invejosos e intriguistas, de entre os quais o Marquês de Castelo Rodrigo, que tentaram denegrir as qualidades do capitão-mor, conseguindo que fosse, com outros valentes terceirenses, considerado desleal à pátria e, por isso mesmo, encarcerado.
Os longos e penosos dias de prisão eram passados com amargura, mas com confiança de que o Espírito Santo seria seu protector. A filha, Emília de Ornelas, implorava a Deus a sua intercessão. Veio finalmente a sentença: a magistratura de Angra decidiu condenar à morte os acusados que apelaram para os tribunais da Corte.
Para Francisco de Ornelas e família a vida passou a resumir-se a uma difícil espera e confiança no Espírito Santo.
Os juízes de Lisboa tinham dúvidas, nada estava claro e o debate levou dias.
A vinte e três de Março, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a sentença condenatória. Lavraram, com alguma relutância, a sentença. Quando os juízes iam assiná-la, entrou por uma janela da sala uma pomba alvíssima, que passando rasteira sobre a mesa, virou o tinteiro, tornando invisível o que estava escrito.
Os juízes ficaram maravilhados e concordaram que aquilo tinha sido um sinal de Deus. Lavraram então, com entusiasmo, a sentença de absolvição dos réus.
Francisco Ornelas da Câmara, devoto do Espírito Santo, ao saber o que se tinha passado, prometeu dar todos os anos um grande bodo de seis moios de trigo e seis bois, que ele serviria descalço aos pobres. Prometeu também edificar em honra ao Espírito Santo, na rua dos Quatro Cantos, uma formosa ermida e de trazer para sempre no seu brasão o emblema do Espírito Santo.

terça-feira, 11 de março de 2008

PADRE ANTÓNIO VIEIRA

Comemora-se este ano o 4º centenário do nascimento do Padre António Vieira.
Nascido na freguesia da Sé de Lisboa no dia 6 de Fevereiro de 1608, António é o primeiro filho de uma modesta família da capital. Cristóvão Ravasco e mulher Maria de Azevedo levam-no a baptizar, segundo se crê, na mesma pia baptismal onde um dia fora administrado o sacramento a Fernando Bulhões, o Santo António de Lisboa.
Aos 6 anos de idade António Vieira faz, com os pais e o irmão mais novo, a primeira de várias e penosas viagens que, durante a sua atribulada vida, irá realizar entre Portugal e o Brasil e vice-versa. Em quase todas elas irá sofrer um naufrágio.
António Vieira torna-se jesuíta por vocação e convicção desde o dia em fugiu de casa, com apenas 15 anos, e pediu refúgio aos padres da Companhia de Jesus detentores do melhor colégio da Baía.
Homem de invulgar inteligência e de uma vasta cultura foi pregador, missionário, diplomata, guerreiro e conselheiro do rei. Foi amado pelos pobres, oprimidos, escravos e índios ao lado de quem sempre lutou. Era odiado pelos nobres, ricos, colonos e até por alguns confrades jesuítas que não hesitaram em denunciá-lo e entregá-lo às garras da inquisição.
Do valioso legado que o Padre António Vieira nos deixou destacam-se os seus sermões.
Em 1654 planeia uma viagem secreta a Lisboa no sentido de sensibilizar a coroa para o caos moral que lavra por terras do Maranhão onde os colonos brancos desrespeitam, sem escrúpulos, a condição humana dos índios e negros, e ao mesmo tempo convencer o rei a legislar por forma a pôr cobro a esta situação de escravatura.
Antes, porém, na catedral de S. Luís irá pronunciar o seu mais belo sermão, o de “Santo António aos Peixes” - alusão parabólica ao estado das coisas na colónia.
À revelia das autoridades e dos brancos, embarca a 17 de Junho rumo a Lisboa, onde só chegará cinco meses depois.
Nesta longa e mais uma vez penosa viagem, a nau em que viaja enfrentará uma violenta tempestade ao largo da Ilha das Flores nos Açores. Passada a intempérie o navio é alvo de um ataque de piratas holandeses que tomam posse da embarcação. Os sobreviventes do saque, entre os quais se conta António Vieira, são embarcados num pequeno batel despojados de bens e roupas e deixados à sua sorte. Arrastados pelas correntes marítimas acabam por dar à costa da ilha Graciosa alguns dias depois sendo recolhidos pela população local. Ali permanecerão algum tempo durante o qual Vieira, depois de retemperadas as forças, exercendo o seu ónus sacerdotal, não se cansará de agradecer a Deus, por intersecção da Terceira Pessoa da Trindade, a protecção concedida. E fá-lo cantando o “terço”. Quando por fim, em Novembro, prosegue viagem para Lisboa os graciosences continuam esta prática que se generaliza primeiro a toda a ilha e depois às restantes do arquipélago. Assim começou uma tradição que perdurou até aos nossos dias.
Fontes: "Vidas Lusófonas"
Orlando Neves

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

ANDAM A TRAMAR A TRADIÇÃO

A tradição do Carnaval na Ilha Terceira é um fenómeno interessante de resistência ao estereótipo brasileiro, contrariando o que acontece um pouco por toda a parte onde é festejado. Uma resistência pacífica, sem dirigismos nem tutela, que provém apenas da vontade do “povo”.
As manifestações de Entrudo na Terceira tomam a forma de “danças de espada”, “danças de pandeiro”, “bailhinhos” e “comédias” e são, na opinião abalizada de José Orlando Bretão (1939 - 1998) advogado e estudioso do folclore açoriano, em especial das danças de Carnaval, exemplos de teatro puro, reminiscências do teatro medieval. São também para este investigador, a única e a última manifestação de cultura verdadeiramente tradicional e popular desta Ilha. Como ele gostava de sublinhar este é “o maior festival de teatro do mundo”.
A sua vitalidade pode medir-se pelos números aproximados deste ano, que pecarão certamente por defeito: 60 grupos organizados, envolvendo cerca de 2 000 pessoas, de entre músicos, actores, costureiras, autores de enredos e das músicas, ajudantes, etc., etc.. Efectuaram-se cerca de 1 600 representações para um público estimado em mais de 30 000 espectadores, numa ilha com pouco mais de 60 000 habitantes. Isto em apenas 4 dias! É obra!
Perante tamanho vigor pode concluir-se que esta tradição está de pedra e cal.
Estará?
No que diz respeito ao empenho popular e ao seu envolvimento espontâneo nesta tradição, não restarão dúvidas que sim e, o que é muito importante, de uma forma transversal a todos os sexos, idades e condições sociais. Exemplos inteligentes de criatividade e inovação nos textos dos enredos e nas músicas também não faltam. A qualidade dos actores e dos executantes musicais é cada vez mais apurada. A evolução é endócrina, permanente e natural e é, ao fim e ao cabo, o que mantém viva a tradição evitando assim a sua “folkorização”.
Mas existem alguns sinais de perigo que, de forma dissimulada, começam a minar esta herança cultural. Sem exaustão vou referir apenas aqueles que, quanto a mim são os mais gritantes:

1 – A crescente banalização dos eventos com o prolongamento das exibições fora da quadra carnavalesca como vem acontecendo nos últimos anos. Neste capítulo julgo que muita da responsabilidade cabe aos próprios grupos que, provavelmente com a melhor das intenções, estão a satisfazer interesses que não os seus. É que, lá diz o velho ditado, “o melhor da festa é esperar por ela”. Tal como defendi em outro artigo deste blog – As Quadras – tudo tem o seu tempo próprio ou então cheira a mentira, a vigarice, a artificialismo. A continuar assim, daqui por algum tempo, poderemos ver danças e bailinhos de Carnaval o ano todo, transformados em espectáculos de teatro ligeiro e de variedades.

2 - A moderna tendência de classificar as “danças e os bailinhos” fomentada e veiculada pelos órgãos de comunicação social pode vir a tornar-se uma arma letal par a maioria destes. Por tradição os grupos organizam-se sem intuitos competitivos, tendo apenas como único objectivo o aspecto lúdico. A criação de uma “divisão de elite”, onde só caberão apenas alguns, irá resultar inexoravelmente no desaparecimento dos preteridos.

3 – Todas as tentativas de regulamentação da acção destes grupos devem ser evitadas. Mesmo que aparentemente inofensivas como é o caso da hipotética calendarização das exibições e a organização dos percursos. Cada grupo deve gerir internamente todos os passos que irá percorrer desde a hora em que os elementos se juntam e decidem organizar-se até à última actuação de terça-feira gorda.

4 – A concentração dos espectáculos em grandes pavilhões multiusos, auditórios ou teatros, em detrimento das Sociedades Recreativas das freguesias rurais, é uma tendência recente que vem prejudicar e descaracterizar toda a envolvente da festa. O Carnaval tradicional na Terceira é um autêntico festival dos sentidos: é ver e ouvir “danças e bailinhos”; é tocar e abraçar o amigo que já não se via há algum tempo; é cheirar os petiscos que se preparam nos bares das sociedades; é provar da merenda que o ocupante da cadeira ao lado preparou para estes dias.
Por outro lado as “danças e bailinhos” são espectáculos de proximidade, em que os “artistas” e o público quase se tocam. O convencionalismo dos grandes espaços cria um fosso entre o palco e a plateia impossibilitando essa simbiose.

O diagnóstico precoce destes ou de outros perigos que espreitam esta herança cultural e a sua consequente denúncia é a única arma ao nosso alcance para fazer frente àqueles que, voluntária ou involuntariamente, andam a tramar a tradição

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

CADA UM ESTÁ P'RÓ QUE NASCE

Francisco Lacerda (1869-1934), maestro das fajãs, Jorgense do mundo, teve como um dos seus ídolos um tal Francisco Ceguinho, terceirense, tocador de viola. E de tal modo o tinha em consideração que o fez seu hóspede durante uma visita que o Ceguinho efectuou a S. Jorge em altura que o genial músico se encontrava a espairecer na sua Ribeira Seca natal.
No silêncio da Ilha ouviram-se por esses dias, diz-se, as mais belas melodias alguma vez retiradas das cordas de uma viola.
Lacerda, na sua visão universal da música, tinha pelas cantigas simples do povo e pelos seus executantes uma grande paixão e um enorme respeito.
Vitorino Nemésio (1901-1978) inventor da açorianiedade, catedrático dos saberes do povo, homem de paixões exuberantes e arrebatadoras, também tinha por ídolo o popular José da Lata, bravo pastor de cantigas e de gado, “mandador de bailes”, dono de uma voz de anjo, doce e escorreita e que, embora com menos desembaraço, também “rasgava” à viola. Por ele revelava uma admiração imensa.
Nemésio e Lacerda nutriam um fascínio indisfarçável pela “viola da terra”.
Se para Lacerda a viola fosse apenas mais um veículo revelador dos seus dotes musicais, para o Professor constitui-se sempre como um obstáculo ao seu saber universal. Apesar disso nunca se inibiu de a tanger sempre com a benevolente complacência dos circunstantes, mau grado a sua frequência em 1964 na Classe de Viola do Prof. Emilio Pujol (1886-1980) do Conservatório Nacional. Lá diz o velho ditado: “cada um está p'ró que nasce”.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

COSTUMES



Isto de costumes tem muito que se lhe diga. Num periódico local de 1895 (A União) ainda se assinalava uma antiga costumeira nas celebrações matrimoniais ocorridas na freguesia dos Biscoitos, freguesia que se prezava não só nos verdelhos como também nos vinhateiros, pois foi essencialmente e ainda é dos lugares mais apreciados de vinho verdelho que adquiriu justa fama.
Conta-se então que por volta de 1860 «ninguém se casava de entre os principais do lugar que não fosse de sobrecasaca de pano fino azul e chapéu alto; mas um fato assim era caro e não havia meios para o obter: tudo se remediava, porém, pedindo-se emprestada a sobrecasaca e o chapéu alto de uso de certo indivíduo da freguesia, que de boa vontade emprestava esses aprestos dos noivos. De sorte que raro era o noivo em que não servisse aquela sobrecasaca e aquele chapéu. Era engraçado, caricato mesmo, mas não ofendia». Para tal traje masculino só não encontrámos ainda notícia de como seria o da noiva, naturalmente mais castiço e gracioso, mas, duvida-se, que emprestado!...

V.M
(Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira 2004)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

ELOGIO À VIOLA



Cantigas à minha viola


Ó viola encordoada
Com quinze cravos de aposta,
Minha pêra acinturada,
Minha maçã de Bemposta

Quando te toco nas cordas,
À boca do coração,
Vou-me sangrando em saúde
Que nem sumo de limão.

Tens os pontos doiradinhos,
Tens os espaços de luto,
Cada prima é uma flor,
Cada cravelha é um fruto...

Cada bordão é um zangão,
Cada toeira uma abelha,
Ó jardim de madrepérola
Da minha festa vermelha!

Letrinha de 8 somada
Pelas tuas seis parcelas
Mai-las minhas mãos cansadas,
Amarelas... amarelas...

Pendurada a tiracolo
No teu cordão cor de vinho,
És o meu saco de cego,
O meu burro e o meu moinho.

No florão da minha viola
Pus uma tira de espelho,
Para ver, de quando em quando,
Se estou novo, se estou velho.

Na caixa da minha viola
Há um letreiro que diz:
V. DA SILVA, VIOLEIRO,
ILHA TERCEIRA – PARIS.

Mas um tolo, um engraçado,
Colou com cuspo uns tarjões:
V. DA SILVA, CANGALHEIRO DE ALMAS,
FAZ VIOLAS E CAIXÕES.

Meu amor, deixa falar!
Dorme, não percas a esperança!
Morta, na minha viola,
Serás como uma criança.

Que seis meninas de arame
É que te levam à campa,
Com seis florinhas de pau
Espetadinhas na tampa.

E o limão, a violeta,
A madrepérola, o espelhinho
Hão-de te servir de terra
E de mortalha de linho.

Minha viola de luxo,
Minha enxada de cantar,
Meu instrumento de fogo,
Caixinha do meu chorar!

Viola, bordão de prata,
Vida violeta, violeta...
Prima, coração me mata...
Poeta! Poeta! Poeta!


(Vitorino Nemésio (1901-1978), Festa Redonda, Lisboa, 1950, pp. 77-79).

domingo, 6 de janeiro de 2008

CANTAR OS REIS

Nesta época Natalícia e, segundo os organizadores, para se cumprir a tradição, vão realizar-se um pouco por todo o país as “cantatas de reis”. Estes eventos anunciados para se realizarem em salões de festas de sociedades recreativas, pavilhões polivalentes, sedes de juntas de freguesia, ginásios das escolas, auditórios, etc. ou tão só em forma de desfile pelas ruas principais das freguesias, vilas ou cidades são, quanto a nós, mais uma a juntar a tantas outras formas de se acabar definitivamente com a verdadeira “tradição de cantar os reis”.
“Cantar os reis” tem, como qualquer outra actividade da cultura popular, um tempo, um espaço e uma função própria.
O tempo é este, em que se comemora o nascimento de Jesus e que vai desde 25 de Dezembro até 6 de Janeiro, tradicionalmente o dia de Reis. A importância deste dia conferiu-lhe, durante muitos anos, o estatuto de “dia Santo”, logo dia feriado. Em muitos países é ainda este o dia mais importante da celebração do Natal.
Nalgumas localidades o cíclo Natalício só termina a 2 de Fevereiro, dia dedicado à luz, às estrelas ou às candeias. Dia em que a liturgia Católica comemora Nossa Senhora das Candeias ou da Candelária. Tradicionalmente era também durante este período que se realizavam as matanças do porco. Assim os ranchos de Reis tanto saíam para cantar loas ao “menino Jesus” como para enaltecer os “toucinhos” de uma matança. As toadas com que o faziam eram em todo semelhantes na estrutura, embora com variantes melódicas para cada uma das funções.
Os espaços em que se movimentavam estes ranchos eram as casas dos amigos e dos familiares em visitas, quase sempre de surpresa, para provar a “mija do menino”, ou no caso das matanças, para se avaliar e comparar os predicados do “porco”. Daí que a função desta manifestação fosse essencialmente social.
E hoje? Não será possível continuar a tradição sem a desvirtuar nestes princípios? Claro que sim. É perfeitamente possível. É o que temos feito de há 15 anos a esta parte, de uma forma pioneira e que, felizmente, tem motivado o aparecimento de outros ranchos: continua a celebrar-se o Natal e a haver matanças do porco; continua a haver amigos e a realizarem-se visitas; apesar dos tempos, o homem continua a ser “animal” social. Assim a tradição, a verdadeira tradição, não está, aparentemente, em perigo de se perder. A não ser que os poderes percam por completo o juízo e teimem em continuar a “meter a foice em seara alheia”.