terça-feira, 7 de julho de 2009

MAESTRO PADRE TOMÁS BORBA


Tomás Borba (Conceição, Angra do Heroísmo, 23 de Novembro de 1867 — Lisboa, 12 de Fevereiro de 1950), foi um sacerdote católico, músico, compositor e professor. Destacou-se não apenas como erudito mas também como um inovador na pedagogia da Música em Portugal.Ao longo da sua carreira foi professor de vários vultos da música portuguesa como Fernando Lopes Graça (co-autor, com Tomás de Borba, do "Dicionário de Música"), os irmãos Luís e Pedro de Freitas Branco, Eduardo Libório, Rui Coelho e Ivo Cruz, além de Bento de Jesus Caraça.
Tal como Francisco Lacerda, o estatuto de vulto nacional, com reconhecimento internacional, na área da música erudita, nunca o afastou das suas raízes etno folclóricas. Pelo contrário, deu-lhes sempre uma atenção previligiada materializada em inúmeros textos publicados. Como o que a seguir transcrevo, respigado da Revista Insula de Julho/Agosto de 1932:

"O NOSSO FOLCLORE"
Há muita gente que, mesmo exercendo aqui funções de mando, orientadoras, ignora o que sejam aquelas pedras que, há quantos séculos ninguém sabe, amararam no atlântico e foram depois baptizadas, com nomes de formusura, pelos portuguêses que as encontraram então moirinhas, desconhecedorass do mundo, encamisadas de verdura e flores tão virgens de contactos maleficientes, que nunca conhecera outro senhor que o seu noivo único, Portugal, em cujos braços se acalentaram num lindo sonho de amor, de que nunca mais foi possível despertar.

Foram sempre portuguêsas as ilhas adjacentes. O continente mandou para lá, não colonisantes, mas povoadores, que ali se fixaram, irmanados no mesmo sentimento de Patria, acobertando-se sob a mesma bandeira quinada, professando a mesma religião, falando a mesma língua, cantando os mesmos heroís, as mesmas alegrias, as mesmas aventuras.

Não há, nas ilhas, sombra de formas dialectais.

Se não fora o oceano, poderia dizer-se que a província açoriana está mais próxima da metrópole que muitas províncias arraianas. E é ainda esta massa de água que banha os calhaus floridos, que os lava e lustra, que lhes dá as características profundas de que o seu folclore é insígnia. Os mesmos temas todavia, trata-os a alma açoriana com ritmos e formas melódicas diversas do serrano do continente.
Na nossa cantiga há sempre amargura e tristeza, amargura que lhe vem da saudade atávica, tristeza que lhe vem do mar das mil cores.

O mar das ilhas envolve tudo, tudo cerca e tudo possue: almas e corações. É ele que dá ao emigrante dali e aos seus imigrantes também, o sentir dolente, amargo e saudoso que lhe imprime o carácter próprio; esteriotipado até no sotaque de largos traços melódicos que confunde os sábios da fonologia. O ilhéu fala cantando, porque foi no mar que os seua sentidos estéticos, a vista e o ouvido, se desenvolveram, se educaram e se formara. É de frente ao mar que o ilhéu, rezando, proclama a grandeza infinita do Criador, e chorando, canta, resignado, a saudade dos filhos que partem para longe, às vezes para sempre:

Não planteis a saudade
Que a saudade é má flor.
Que uma viva saudade
Me matou o meu amor

Quanta filosofia indescortinada, nesta velha quadra anónima!

Mas nos cantares açorianos também há alegria, muita alegria, por vezes. E há expressões delicadas, módulos que, naquela gente chã, foram imprimindo os velhos fidalgos, donatários, senhores de antanho, morgados de fino tracto que ainda hoje se distinguem por sua nobreza de maneiras, seus modos firmes, graciosamente altivos e inspiradores de veneração e respeito.

A viola de arame é o instrumento açoriano, essencialmente popular. É o mesmo instrumento que os franceses chamam guitarra, com a mesma forma de 8, e mesma afinação, etc. A diferença que existe entre um e outro está apenas na corda que não é de tripa, na viola açoriana, mas metálica. Porém esta distinção é profunda para a vida do nosso folclore, porque permite à imaginação criadora do virtuoso compôr as mais belas e ricas variações que pode imaginar-se, sem sair do tipo temático que a graça do povo encontrou anònimamente.

Há, neste género, verdadeiros artistas.

A guitarra portugueza, periforme, não se popularisou nas ilhas, nem a forma do fado que ela ampara. Muito menos se podia adaptar ao nosso cancioneiro, nem sequer infiltrar-se no folclore regional; porque as nossas melodias, em grande parte inspiradas no modo menor, por vezes até no doristi da herança greco-cristã, estão ipso factu, incompatibilisadas com o inimigo da sua expansão magnífica. O acordeão, embora hoje enriquecido de melhores recursos é, na sua origem, na fase em que o legitimaram os senhores padeiros, essencialmente diatónico, encueirado no sol e dos acordes de tónica dominante.

É por esta razão que este diabo de instrumento, onde entrou, matou tudo.

O açoriano cantando as suas melodias sob a tutela generosa da viola, que sempre adoptou, resistiu a todos os ataques do tedesco. E assim é que hoje, como há um século, dois séculos, três séculos, modula as mesmas canções coreadas que nosso avós cantaram e os seus netos hão-de certamente respeitar e amar. Para o ilhéu nada há que musicalmente valha a sua charamba, o seu pésinho, a tirana, a saudade, a fofa, a chama-rita, a sapateia.

E quando, um dia, se faça o centão de todas as nossas belezas folclorísticas, ver-se-há quanto tudo isto vale.


Lisboa 4-7-32


Tomás Borba"

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