sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

COSTUMES



Isto de costumes tem muito que se lhe diga. Num periódico local de 1895 (A União) ainda se assinalava uma antiga costumeira nas celebrações matrimoniais ocorridas na freguesia dos Biscoitos, freguesia que se prezava não só nos verdelhos como também nos vinhateiros, pois foi essencialmente e ainda é dos lugares mais apreciados de vinho verdelho que adquiriu justa fama.
Conta-se então que por volta de 1860 «ninguém se casava de entre os principais do lugar que não fosse de sobrecasaca de pano fino azul e chapéu alto; mas um fato assim era caro e não havia meios para o obter: tudo se remediava, porém, pedindo-se emprestada a sobrecasaca e o chapéu alto de uso de certo indivíduo da freguesia, que de boa vontade emprestava esses aprestos dos noivos. De sorte que raro era o noivo em que não servisse aquela sobrecasaca e aquele chapéu. Era engraçado, caricato mesmo, mas não ofendia». Para tal traje masculino só não encontrámos ainda notícia de como seria o da noiva, naturalmente mais castiço e gracioso, mas, duvida-se, que emprestado!...

V.M
(Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira 2004)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

ELOGIO À VIOLA



Cantigas à minha viola


Ó viola encordoada
Com quinze cravos de aposta,
Minha pêra acinturada,
Minha maçã de Bemposta

Quando te toco nas cordas,
À boca do coração,
Vou-me sangrando em saúde
Que nem sumo de limão.

Tens os pontos doiradinhos,
Tens os espaços de luto,
Cada prima é uma flor,
Cada cravelha é um fruto...

Cada bordão é um zangão,
Cada toeira uma abelha,
Ó jardim de madrepérola
Da minha festa vermelha!

Letrinha de 8 somada
Pelas tuas seis parcelas
Mai-las minhas mãos cansadas,
Amarelas... amarelas...

Pendurada a tiracolo
No teu cordão cor de vinho,
És o meu saco de cego,
O meu burro e o meu moinho.

No florão da minha viola
Pus uma tira de espelho,
Para ver, de quando em quando,
Se estou novo, se estou velho.

Na caixa da minha viola
Há um letreiro que diz:
V. DA SILVA, VIOLEIRO,
ILHA TERCEIRA – PARIS.

Mas um tolo, um engraçado,
Colou com cuspo uns tarjões:
V. DA SILVA, CANGALHEIRO DE ALMAS,
FAZ VIOLAS E CAIXÕES.

Meu amor, deixa falar!
Dorme, não percas a esperança!
Morta, na minha viola,
Serás como uma criança.

Que seis meninas de arame
É que te levam à campa,
Com seis florinhas de pau
Espetadinhas na tampa.

E o limão, a violeta,
A madrepérola, o espelhinho
Hão-de te servir de terra
E de mortalha de linho.

Minha viola de luxo,
Minha enxada de cantar,
Meu instrumento de fogo,
Caixinha do meu chorar!

Viola, bordão de prata,
Vida violeta, violeta...
Prima, coração me mata...
Poeta! Poeta! Poeta!


(Vitorino Nemésio (1901-1978), Festa Redonda, Lisboa, 1950, pp. 77-79).

domingo, 6 de janeiro de 2008

CANTAR OS REIS

Nesta época Natalícia e, segundo os organizadores, para se cumprir a tradição, vão realizar-se um pouco por todo o país as “cantatas de reis”. Estes eventos anunciados para se realizarem em salões de festas de sociedades recreativas, pavilhões polivalentes, sedes de juntas de freguesia, ginásios das escolas, auditórios, etc. ou tão só em forma de desfile pelas ruas principais das freguesias, vilas ou cidades são, quanto a nós, mais uma a juntar a tantas outras formas de se acabar definitivamente com a verdadeira “tradição de cantar os reis”.
“Cantar os reis” tem, como qualquer outra actividade da cultura popular, um tempo, um espaço e uma função própria.
O tempo é este, em que se comemora o nascimento de Jesus e que vai desde 25 de Dezembro até 6 de Janeiro, tradicionalmente o dia de Reis. A importância deste dia conferiu-lhe, durante muitos anos, o estatuto de “dia Santo”, logo dia feriado. Em muitos países é ainda este o dia mais importante da celebração do Natal.
Nalgumas localidades o cíclo Natalício só termina a 2 de Fevereiro, dia dedicado à luz, às estrelas ou às candeias. Dia em que a liturgia Católica comemora Nossa Senhora das Candeias ou da Candelária. Tradicionalmente era também durante este período que se realizavam as matanças do porco. Assim os ranchos de Reis tanto saíam para cantar loas ao “menino Jesus” como para enaltecer os “toucinhos” de uma matança. As toadas com que o faziam eram em todo semelhantes na estrutura, embora com variantes melódicas para cada uma das funções.
Os espaços em que se movimentavam estes ranchos eram as casas dos amigos e dos familiares em visitas, quase sempre de surpresa, para provar a “mija do menino”, ou no caso das matanças, para se avaliar e comparar os predicados do “porco”. Daí que a função desta manifestação fosse essencialmente social.
E hoje? Não será possível continuar a tradição sem a desvirtuar nestes princípios? Claro que sim. É perfeitamente possível. É o que temos feito de há 15 anos a esta parte, de uma forma pioneira e que, felizmente, tem motivado o aparecimento de outros ranchos: continua a celebrar-se o Natal e a haver matanças do porco; continua a haver amigos e a realizarem-se visitas; apesar dos tempos, o homem continua a ser “animal” social. Assim a tradição, a verdadeira tradição, não está, aparentemente, em perigo de se perder. A não ser que os poderes percam por completo o juízo e teimem em continuar a “meter a foice em seara alheia”.