A moda destrói a beleza e destrói o espírito. Um caixeiro desenha a lápis, em Paris, um certo chapéu um certo corpete, umas certas mangas — e todas, magras e gordas, as louras e as trigueiras, as altas e as pequeninas, se introduzem, se alojam, se enfiam naquele molde, sem se preocuparem se o seu corpo, a sua cor, o seu perfil, a sua altura, o seu peito, condizem, harmoniza, vão bem com o molde decretado e chegado pelo correio. Abandonando-se servilmente ao figurino, abdicam a sua originalidade, o seu gosto. Aceitam uma banalidade em seda — e um lugar comum com folhos. Uma senhora que não inventa e não cria os seus vestidos — é como um escritor que não acha e não inventa as suas ideias. Ter a toilette do figurino é fazer como os merceeiros que têm a opinião da sua gazeta. Desabitua o espírito da invenção, da espontaneidade, da liberdade. É uma confissão tácita de que não tem espírito, nem fantasia. Seguir um figurino é aprender a elegância de cor, para ir recitar na rua; é o ter o gosto que se recebeu de encomenda; é alugar o chic ao mês; é mandar vir as ideias pelo correio; é o bom-tom por assinatura.
Que falta de espírito! e os maridos pagam-no.
Eça de Queiroz
segunda-feira, 31 de maio de 2010
sexta-feira, 28 de maio de 2010
A LIÇÃO
foto roubada a "Bagos d'Uva"
O Grupo Folclórico Fontes da Nossa Ilha – GFFNI- completou, recentemente, 25 anos de actividade, comemorando assim as suas “bodas de prata”.
Se a efeméride se tivesse resumido à simples lembrança da data, com uma palestra, um comes e bebes da praxe e um artigo para os jornais com uma foto do grupo, sobejaria a palavra “parabéns” e eventualmente os desejos de “outros tantos anos de vida”. Mas o que aconteceu obriga-nos, por uma questão de justiça e pudor, a dizer mais duas ou três palavras.
Logo a primeira com um pedido de desculpas pelo facto de, e apesar de atempadamente ter-mos recebido convite para participar na festa do Divino Espírito Santo de 16 a 23 de Maio, imperativos que não interessam aqui, impediram-nos de estar presentes. Certamente que ficamos nós a perder.
Confesso que as expectativas criadas não eram, também, muito elevadas e, excepção feita às duas palestras agendadas, primeiro pela matéria e, sobretudo, pelo orador Padre Hélder, estudioso e profundo conhecedor da temática do Espírito Santo, o restante, pensava-mos nós, seria igual a tantas outras mordomias e “brianças” para as quais temos sido convidados.
Diariamente, mercê de um trabalho (excelente, diga-se) de informação que nos foi proporcionado de forma apaixonada pelo blog “Bagos d’Uva”, que fez o acompanhamento de todos os momentos desta semana especial, fomos tendo a percepção que afinal estávamos enganados.
O que o GFFNI se propunha fazer era, afinal, muito mais do que preencher uma semana com uma mordomia banal.
O que o GFFNI se propunha fazer, e estava fazendo com o envolvimento e orgulho da comunidade onde está inserido, era trazer de volta aos olhos de todos, os verdadeiros valores da Festa e a beleza de todo o cerimonial, fazendo de cada pormenor o seu ponto alto.
O que o GFFNI se propunha fazer, e estava fazendo era, afinal, trocar o trabalho fácil de fazer a Festa “comprando tudo feito” por muito trabalho feito com muito saber, amor e paixão.
O que o GFFNI se propunha fazer e estava fazendo a cada dia que passava, era mostrar a todos que a Festa, a autentica, é ainda possível com toda a sua riqueza cerimonial e com a preservação de todos os seus valores.
A dignidade posta em cada uma dos momentos da Festa foi sinónima do respeito pela sua simbologia: desde o receber as “insígnias”, a sua colocação em lugar previamente decorado, o terço participado, a abundância e apresentação da “mesa” para as visitas, o ir buscar o vinho, o preparar as flores para os bezerros, a folia que culmina com a bênção do gado pelos seus criadores, a “amassadura” e cozedura do pão e da “massa”, a ceia dos criadores, a partilha permanente, e entreajuda espontânea, a alegria saudável, as sopas, a organização do cortejo da “coroação”, com a entrega das “insígnias” com as devidas distinções, a cerimónia da “coroação”, o bodo, o pão, o vinho, o regresso, a entrega de esmolas, a função, o regresso ao “império”, o arraial, enfim, tudo o que o GFFNI se propôs fazer, fê-lo como deve ser feito e provou, assim, que pode ser feito sem ter que se recorrer aos efeitos perniciosos de uma representação “folclórica”.
O que o GFFNI fez, sem grandes alaridos e parangonas, foi dar uma lição de como se deve trabalhar e dinamizar a cultura popular, evitando a todo o custo a sua “folclorização”.
O “folclore” é um fóssil da cultura popular (que o Divino Espírito Santo me proteja!).
O que nós sempre defendemos, e por vezes de uma forma solitária, é uma cultura popular viva, em que todos se revejam e se identifiquem com ela, sem adereços de faz de conta, sem medos de parecer fora de moda, num esforço permanente de a alimentar com o nosso empenho desinteressado, utilizando-a em nosso proveito e prazer sem a desvirtuar, partilhando-a sem preconceitos e deixando-a orgulhosamente como uma herança digna e apetecível aos nossos vindouros.
O que o GFFNI fez durante a semana de 16 a 23 de Maio de 2010 foi, com muita humildade, dar o seu contributo.
Que todos saibam, ao menos, tirar o proveito desta eloquente Lição!
O Grupo Folclórico Fontes da Nossa Ilha – GFFNI- completou, recentemente, 25 anos de actividade, comemorando assim as suas “bodas de prata”.
Se a efeméride se tivesse resumido à simples lembrança da data, com uma palestra, um comes e bebes da praxe e um artigo para os jornais com uma foto do grupo, sobejaria a palavra “parabéns” e eventualmente os desejos de “outros tantos anos de vida”. Mas o que aconteceu obriga-nos, por uma questão de justiça e pudor, a dizer mais duas ou três palavras.
Logo a primeira com um pedido de desculpas pelo facto de, e apesar de atempadamente ter-mos recebido convite para participar na festa do Divino Espírito Santo de 16 a 23 de Maio, imperativos que não interessam aqui, impediram-nos de estar presentes. Certamente que ficamos nós a perder.
Confesso que as expectativas criadas não eram, também, muito elevadas e, excepção feita às duas palestras agendadas, primeiro pela matéria e, sobretudo, pelo orador Padre Hélder, estudioso e profundo conhecedor da temática do Espírito Santo, o restante, pensava-mos nós, seria igual a tantas outras mordomias e “brianças” para as quais temos sido convidados.
Diariamente, mercê de um trabalho (excelente, diga-se) de informação que nos foi proporcionado de forma apaixonada pelo blog “Bagos d’Uva”, que fez o acompanhamento de todos os momentos desta semana especial, fomos tendo a percepção que afinal estávamos enganados.
O que o GFFNI se propunha fazer era, afinal, muito mais do que preencher uma semana com uma mordomia banal.
O que o GFFNI se propunha fazer, e estava fazendo com o envolvimento e orgulho da comunidade onde está inserido, era trazer de volta aos olhos de todos, os verdadeiros valores da Festa e a beleza de todo o cerimonial, fazendo de cada pormenor o seu ponto alto.
O que o GFFNI se propunha fazer, e estava fazendo era, afinal, trocar o trabalho fácil de fazer a Festa “comprando tudo feito” por muito trabalho feito com muito saber, amor e paixão.
O que o GFFNI se propunha fazer e estava fazendo a cada dia que passava, era mostrar a todos que a Festa, a autentica, é ainda possível com toda a sua riqueza cerimonial e com a preservação de todos os seus valores.
A dignidade posta em cada uma dos momentos da Festa foi sinónima do respeito pela sua simbologia: desde o receber as “insígnias”, a sua colocação em lugar previamente decorado, o terço participado, a abundância e apresentação da “mesa” para as visitas, o ir buscar o vinho, o preparar as flores para os bezerros, a folia que culmina com a bênção do gado pelos seus criadores, a “amassadura” e cozedura do pão e da “massa”, a ceia dos criadores, a partilha permanente, e entreajuda espontânea, a alegria saudável, as sopas, a organização do cortejo da “coroação”, com a entrega das “insígnias” com as devidas distinções, a cerimónia da “coroação”, o bodo, o pão, o vinho, o regresso, a entrega de esmolas, a função, o regresso ao “império”, o arraial, enfim, tudo o que o GFFNI se propôs fazer, fê-lo como deve ser feito e provou, assim, que pode ser feito sem ter que se recorrer aos efeitos perniciosos de uma representação “folclórica”.
O que o GFFNI fez, sem grandes alaridos e parangonas, foi dar uma lição de como se deve trabalhar e dinamizar a cultura popular, evitando a todo o custo a sua “folclorização”.
O “folclore” é um fóssil da cultura popular (que o Divino Espírito Santo me proteja!).
O que nós sempre defendemos, e por vezes de uma forma solitária, é uma cultura popular viva, em que todos se revejam e se identifiquem com ela, sem adereços de faz de conta, sem medos de parecer fora de moda, num esforço permanente de a alimentar com o nosso empenho desinteressado, utilizando-a em nosso proveito e prazer sem a desvirtuar, partilhando-a sem preconceitos e deixando-a orgulhosamente como uma herança digna e apetecível aos nossos vindouros.
O que o GFFNI fez durante a semana de 16 a 23 de Maio de 2010 foi, com muita humildade, dar o seu contributo.
Que todos saibam, ao menos, tirar o proveito desta eloquente Lição!
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Tradição
quarta-feira, 19 de maio de 2010
O RATEIRO
Há dias li no jornal “A UNIÃO” o respigo da seguinte notícia publicada 100 anos antes, que transcrevo ipsis verbis:
“Liga contra os ratos
Não chegará a dusentos mil reis o dinheiro que a Liga contra os ratos tem em cofre para premiar os caçadores d’estes nefastos roedores.
A direcção d’esta benemérita instituição, vendo-se prestes a ter de suspender o seu patriótico mister, acaba de pedir a intervenção do sr. governador civil a fim de que tal não succeda. S. ex.ª immediatamente telegraphou para Lisboa, ao governo, e o mesmo vae hoje fazer a direcção da Liga.”
A propósito ocorreu-me o seguinte acontecimento:
O “rateiro” era um personagem de arrepiar: andrajoso, de aspecto nojento, fazia gala de ser mal amado. Ninguém se aproximava dele sem sentir asco e náusea. Uma saca de serapilheira às costas, suspensa na ponta de um pau de “carrete” que trazia sobre o ombro esquerdo já calejado, era o seu único adereço. Especulava-se sobre o seu conteúdo que jamais alguém vira mas, no entanto, quase todos o adivinhavam. O peso da saca e o desequilibro provocado por uns “calcinhos” de água ardente eram ajudados por um tosco bordão que trazia na mão direita. Deambulava pela cidade sem rumo nem pressa.
Certo dia deu-se um roubo num estabelecimento comercial localizado na Rua do Galo e que era alvo de frequentes visitas dos amigos do alheio: O Falcão.
Dada a notícia à polícia logo os agentes receberam instruções para terem atenção a qualquer indivíduo suspeito. Um guarda que, havia pouco tempo, tinha chegado à Terceira como reforço da esquadra de Angra, ao cruzar-se numa das ruas da cidade com o “rateiro”, abordou-o perguntando o que ele trazia na saca. O nosso homem nem queria acreditar:
- O quê?
- O que tem dentro desse saco? Já disse!
Na rua toda a gente parava. O “rateiro” olhou para a direita, depois para a esquerda e, muito calmamente, respondeu o que para ele era óbvio:
- São ratos!
- Não brinque comigo! – gritou o guarda sentindo que estava a ser desrespeitado por um indigente perante uma crescente assembleia. E fazendo uso do estatuto que a farda lhe conferia e colocando a voz em tom autoritário ordenou:
- Acompanhe-me à esquadra!
O “rateiro” que, apesar do aspecto, não era homem de faltar ao respeito a ninguém, acatou serenamente a ordem da autoridade e lá foi atrás do sr. Guarda a caminho do Largo do Colégio onde se situava, então, o Comando e a esquadra da PSP.
À entrada, a sentinela de mãos suspensas pelos polegares no largo cinturão preto, um guarda antigo conhecedor do meio e que, por ser cliente habitual do “Gadanha”, da “Gruta do Norte”, do “Gaspar”, do “Machado”, do “Escondidinho”, da “Casa do Pico”, do “Avião”, da “Fonte dos Passarinhos” e de todas as outras tascas da cidade quando fazia ronda, ali estava de castigo. Não conseguiu disfarçar o seu espanto. Rodando sobre si foi acompanhando com o olhar incrédulo os dois personagens que, subindo a escadaria se perderam na penumbra do corredor da esquadra.
- O meu subchefe dá licença? – disse o guarda aprumando-se numa continência como “manda a sapatilha” - Tenho aqui um suspeito do roubo do Falcão!
Seguiu-se um silêncio quase eterno. O “Comandante da Guarda” acabou de ler “ União” que levantava com ambas as mãos à sua frente, deu a última fumaça no “comercial de rolo” que lhe tingia os dedos de ocre velho, atirou certeiro a beata para o escarrador de louça colocado estrategicamente junto à velha secretária, e dirigiu o olhar para os vultos à sua frente. A luz peneirada que entrava pela janela virada para o claustro do velho convento iluminava-lhes as faces, realçando a serenidade de um e a ansiedade do outro.
- Com que então temos um suspeito? – disse o subchefe como se estivesse programado para o fazer, enquanto tentava identificar o cheiro que lhe feria a pituitária.
- Sim meu subchefe! Este homem, além de ter um ar suspeito, ainda por cima gozou comigo à frente de toda a gente!
O subchefe colocou-se em posição favorável perante a luz para se certificar do que a sua intuição de lhe sugeria.
Os olhares do “rateiro e do graduado fixaram-se e, sem uma palavra, ambos expressaram um indelével quanto comprometedor sorriso.
- Diz-me então que o suspeito lhe faltou ao respeito à frente de muita gente! – disse o subchefe, enquanto se afastava ligeiramente dos dois homens que permaneciam imóveis lado a lado. – De que forma? – concluiu.
- Quando lhe perguntei o que trazia na saca respondeu-me que eram ratos, meu subchefe.
- Ratos? – retorquiu o graduado evitando, com custo, uma gargalhada aprisionada na garganta.
- Sim, meu subchefe, ratos!
- Isso é grave! É mesmo uma falta de respeito à autoridade!
- Claro, meu subchefe! – disse o guarda experimentando já uma sensação de dever cumprido.
Um novo e interminável silêncio se instalou no escuro corredor.
- Ouve lá! – disse o subchefe dirigindo-se ao suspeito – Não sabes que podes ir parar ao calabouço por falta de respeito à autoridade?
Sem esperar resposta e levantando a voz, enquanto se afastava para a larga porta que separava o corredor da antecâmara dos calabouços, ordenou:
- Mostre ao sr. Guarda o que tem dentro da saca!
O rateiro não hesitou. Desembaraçou com destreza e rapidez o laço que fechava a boca da velha saca de lona e, pegando-lhe pelo fundo, despejou todo o seu conteúdo aos pés do agente, qual rainha Santa Isabel perante o seu Senhor e Rei D. Diniz:
- São ratos, sr. Guarda! São ratos! Eu não lhe dizia?
Por toda a esquadra ecoaram gritos assustadores. Pelas portas dos gabinetes atropelavam-se, curiosos, os agentes de serviço. O jovem guarda desceu os vários lances da escada que o separava da rua sem tocar num único degrau, a acreditar no testemunho da sentinela que, adivinhando o sucedido, ria a bandeiras despregadas enquanto o via desaparecer no canto do correio.
E quando tudo voltava á normalidade dentro da esquadra ainda se ouviam as gargalhadas do velho subchefe que, refugiado num dos calabouços, enxugava as lágrimas que lhe escorriam em cascata pela face.
“Liga contra os ratos
Não chegará a dusentos mil reis o dinheiro que a Liga contra os ratos tem em cofre para premiar os caçadores d’estes nefastos roedores.
A direcção d’esta benemérita instituição, vendo-se prestes a ter de suspender o seu patriótico mister, acaba de pedir a intervenção do sr. governador civil a fim de que tal não succeda. S. ex.ª immediatamente telegraphou para Lisboa, ao governo, e o mesmo vae hoje fazer a direcção da Liga.”
A propósito ocorreu-me o seguinte acontecimento:
O “rateiro” era um personagem de arrepiar: andrajoso, de aspecto nojento, fazia gala de ser mal amado. Ninguém se aproximava dele sem sentir asco e náusea. Uma saca de serapilheira às costas, suspensa na ponta de um pau de “carrete” que trazia sobre o ombro esquerdo já calejado, era o seu único adereço. Especulava-se sobre o seu conteúdo que jamais alguém vira mas, no entanto, quase todos o adivinhavam. O peso da saca e o desequilibro provocado por uns “calcinhos” de água ardente eram ajudados por um tosco bordão que trazia na mão direita. Deambulava pela cidade sem rumo nem pressa.
Certo dia deu-se um roubo num estabelecimento comercial localizado na Rua do Galo e que era alvo de frequentes visitas dos amigos do alheio: O Falcão.
Dada a notícia à polícia logo os agentes receberam instruções para terem atenção a qualquer indivíduo suspeito. Um guarda que, havia pouco tempo, tinha chegado à Terceira como reforço da esquadra de Angra, ao cruzar-se numa das ruas da cidade com o “rateiro”, abordou-o perguntando o que ele trazia na saca. O nosso homem nem queria acreditar:
- O quê?
- O que tem dentro desse saco? Já disse!
Na rua toda a gente parava. O “rateiro” olhou para a direita, depois para a esquerda e, muito calmamente, respondeu o que para ele era óbvio:
- São ratos!
- Não brinque comigo! – gritou o guarda sentindo que estava a ser desrespeitado por um indigente perante uma crescente assembleia. E fazendo uso do estatuto que a farda lhe conferia e colocando a voz em tom autoritário ordenou:
- Acompanhe-me à esquadra!
O “rateiro” que, apesar do aspecto, não era homem de faltar ao respeito a ninguém, acatou serenamente a ordem da autoridade e lá foi atrás do sr. Guarda a caminho do Largo do Colégio onde se situava, então, o Comando e a esquadra da PSP.
À entrada, a sentinela de mãos suspensas pelos polegares no largo cinturão preto, um guarda antigo conhecedor do meio e que, por ser cliente habitual do “Gadanha”, da “Gruta do Norte”, do “Gaspar”, do “Machado”, do “Escondidinho”, da “Casa do Pico”, do “Avião”, da “Fonte dos Passarinhos” e de todas as outras tascas da cidade quando fazia ronda, ali estava de castigo. Não conseguiu disfarçar o seu espanto. Rodando sobre si foi acompanhando com o olhar incrédulo os dois personagens que, subindo a escadaria se perderam na penumbra do corredor da esquadra.
- O meu subchefe dá licença? – disse o guarda aprumando-se numa continência como “manda a sapatilha” - Tenho aqui um suspeito do roubo do Falcão!
Seguiu-se um silêncio quase eterno. O “Comandante da Guarda” acabou de ler “ União” que levantava com ambas as mãos à sua frente, deu a última fumaça no “comercial de rolo” que lhe tingia os dedos de ocre velho, atirou certeiro a beata para o escarrador de louça colocado estrategicamente junto à velha secretária, e dirigiu o olhar para os vultos à sua frente. A luz peneirada que entrava pela janela virada para o claustro do velho convento iluminava-lhes as faces, realçando a serenidade de um e a ansiedade do outro.
- Com que então temos um suspeito? – disse o subchefe como se estivesse programado para o fazer, enquanto tentava identificar o cheiro que lhe feria a pituitária.
- Sim meu subchefe! Este homem, além de ter um ar suspeito, ainda por cima gozou comigo à frente de toda a gente!
O subchefe colocou-se em posição favorável perante a luz para se certificar do que a sua intuição de lhe sugeria.
Os olhares do “rateiro e do graduado fixaram-se e, sem uma palavra, ambos expressaram um indelével quanto comprometedor sorriso.
- Diz-me então que o suspeito lhe faltou ao respeito à frente de muita gente! – disse o subchefe, enquanto se afastava ligeiramente dos dois homens que permaneciam imóveis lado a lado. – De que forma? – concluiu.
- Quando lhe perguntei o que trazia na saca respondeu-me que eram ratos, meu subchefe.
- Ratos? – retorquiu o graduado evitando, com custo, uma gargalhada aprisionada na garganta.
- Sim, meu subchefe, ratos!
- Isso é grave! É mesmo uma falta de respeito à autoridade!
- Claro, meu subchefe! – disse o guarda experimentando já uma sensação de dever cumprido.
Um novo e interminável silêncio se instalou no escuro corredor.
- Ouve lá! – disse o subchefe dirigindo-se ao suspeito – Não sabes que podes ir parar ao calabouço por falta de respeito à autoridade?
Sem esperar resposta e levantando a voz, enquanto se afastava para a larga porta que separava o corredor da antecâmara dos calabouços, ordenou:
- Mostre ao sr. Guarda o que tem dentro da saca!
O rateiro não hesitou. Desembaraçou com destreza e rapidez o laço que fechava a boca da velha saca de lona e, pegando-lhe pelo fundo, despejou todo o seu conteúdo aos pés do agente, qual rainha Santa Isabel perante o seu Senhor e Rei D. Diniz:
- São ratos, sr. Guarda! São ratos! Eu não lhe dizia?
Por toda a esquadra ecoaram gritos assustadores. Pelas portas dos gabinetes atropelavam-se, curiosos, os agentes de serviço. O jovem guarda desceu os vários lances da escada que o separava da rua sem tocar num único degrau, a acreditar no testemunho da sentinela que, adivinhando o sucedido, ria a bandeiras despregadas enquanto o via desaparecer no canto do correio.
E quando tudo voltava á normalidade dentro da esquadra ainda se ouviam as gargalhadas do velho subchefe que, refugiado num dos calabouços, enxugava as lágrimas que lhe escorriam em cascata pela face.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
O DIA MUNDIAL DA DANÇA
Aconteceu no passado dia 7, no grande auditório do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo, um espectáculo alusivo ao Dia Mundial da Dança.
De entre as várias formas e estilos de dança, a organização entendeu incluir o "folclore". Embora receosos da reacção do público a esta "provocação", o resultado final veio dar crédito a quem acreditava e acreditou na aposta.
Quanto a nós, que aceitamos o desafio, julgamos ter dignificado a "dança" no seu conceito global, sem desvirtuar as particularidades deste "estilo".
Como enquadramento da nossa apresentação produzimos e demos a ler o seguinte texto:
O RITMO e o GESTO – dois elementos básicos da dança - foram o meio a que o homem primitivo, muito naturalmente, se serviu para dialogar, orar, trabalhar e comunicar.
Surgida assim por razões orgânicas e espirituais, a dança passou a ter motivações de ordem sensorial, religiosa, metafísica e social.
Historicamente as danças de sedução, as danças sagradas e as danças de diversão surgiram e desenvolveram-se em paralelo, integradas nas actividades de trabalho, no diálogo de amor, no ritual ou nos vários rituais do grupo social primitivo. Elas passaram a estar presentes em quase todos os instantes da vida do clã e da tribo – nos momentos de alegria ou tristeza, de vitória ou de derrota, de perplexidade e de temor.
E do ritual à festa é um passo, até porque, em muitos aspectos, ritual e festa se confundem.
Povoados por homens e mulheres oriundos, na sua maior parte, do continente português, mas também do norte e centro da Europa, os Açores estiveram, desde o seu povoamento, expostos a influências culturais externas de tal grandeza cuja marca permanece de forma indelével nas diferentes manifestações da sua cultura popular, onde se incluí, obviamente, a música e a dança.
A gama de funções cumpridas pela música e pela dança, na vida social açoriana, não se resume ao simples entretenimento. Antes porém tem um papel integrador e de atenuamento de conflitos.
Dançar é aqui, como em todo o lado, um acto eminentemente social onde a comunidade se empenha e se exprime como tal.
Não só os que dançam na roda, os que cantam e os que tem a responsabilidade do acompanhamento musical, mas também quem, em redor, sente como sua a beleza melódica de uma “Charamba” a sensibilidade de uns “Olhos Pretos” ou a alegria de uma “Chamarrita”.
De entre as várias formas e estilos de dança, a organização entendeu incluir o "folclore". Embora receosos da reacção do público a esta "provocação", o resultado final veio dar crédito a quem acreditava e acreditou na aposta.
Quanto a nós, que aceitamos o desafio, julgamos ter dignificado a "dança" no seu conceito global, sem desvirtuar as particularidades deste "estilo".
Como enquadramento da nossa apresentação produzimos e demos a ler o seguinte texto:
O RITMO e o GESTO – dois elementos básicos da dança - foram o meio a que o homem primitivo, muito naturalmente, se serviu para dialogar, orar, trabalhar e comunicar.
Surgida assim por razões orgânicas e espirituais, a dança passou a ter motivações de ordem sensorial, religiosa, metafísica e social.
Historicamente as danças de sedução, as danças sagradas e as danças de diversão surgiram e desenvolveram-se em paralelo, integradas nas actividades de trabalho, no diálogo de amor, no ritual ou nos vários rituais do grupo social primitivo. Elas passaram a estar presentes em quase todos os instantes da vida do clã e da tribo – nos momentos de alegria ou tristeza, de vitória ou de derrota, de perplexidade e de temor.
E do ritual à festa é um passo, até porque, em muitos aspectos, ritual e festa se confundem.
Povoados por homens e mulheres oriundos, na sua maior parte, do continente português, mas também do norte e centro da Europa, os Açores estiveram, desde o seu povoamento, expostos a influências culturais externas de tal grandeza cuja marca permanece de forma indelével nas diferentes manifestações da sua cultura popular, onde se incluí, obviamente, a música e a dança.
A gama de funções cumpridas pela música e pela dança, na vida social açoriana, não se resume ao simples entretenimento. Antes porém tem um papel integrador e de atenuamento de conflitos.
Dançar é aqui, como em todo o lado, um acto eminentemente social onde a comunidade se empenha e se exprime como tal.
Não só os que dançam na roda, os que cantam e os que tem a responsabilidade do acompanhamento musical, mas também quem, em redor, sente como sua a beleza melódica de uma “Charamba” a sensibilidade de uns “Olhos Pretos” ou a alegria de uma “Chamarrita”.
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