sexta-feira, 31 de outubro de 2008

UMA COISINHA DE PÃO POR DEUS


Pedir "pão-por-Deus" é talvez a única tradição popular infantil, transversal a várias gerações, que se mantém bem viva entre nós.

Todos os anos, pelo dia de Todos-os-Santos, saem à rua bandos de crianças de todas as condições sociais munidas de "sacas" previamente acauteladas, que vão de porta em porta apelar à dádiva em nome de Deus.
A expectativa de quem pede hoje fica-se por alguma moeda ou guloseima (influência do "halloween"?). Para tal bastará ter uma pequena "saca" onde caberá todo o pecúlio.
Há uns cinquenta anos atrás, principalmente no meio rural, era necessário uma "saca" bem maior. Nela teria de caber: milho em soca ou já debulhado, feijão, batata doce crua ou - que delícia - já assada, alguma castanha, abóbora e tudo o que a economia doméstica pudesse produzir.
Pedir "pão-por-Deus" era, com ainda hoje é, um exercício de partilha. Quem pede fá-lo sem constrangimento; quem dá não não o faz por caridade.
Se por qualquer motivo uma porta não se abrisse ou houvesse uma recusa ao pedido, ontem tal como hoje, a resposta da rapaziada não se fazia esperar: soca vermelha, soca rajada, tranca no cú, a quem não dá nada! E "ala botes, pernas para que vos quero" bater a outra casa e pedir mais "uma coisinha-de-pão-por-Deus".

MÊS DE NOVEMBRO E SEUS SANTOS PROTECTORES

Dia 3 – S. Clemente – advogado contra os naufrágios;
4 – S. Carlos Borromeu – advogado contra a peste;
10 – S. André Avelino – advogado contra a apoplexia;
11 – S. Martinho – protector dos bêbados;
24 – S. Romão, presbítero – advogado contra os perigos da água;
25 – Santa Catarina de Alexandria – advogada contra acidentes de trabalho e protectora das moças solteiras;
29 – S. Brás – advogado contra a afonia e doenças da garganta;

sábado, 25 de outubro de 2008

ADEUS CEGO, ADEUS VIOLA...

…diz-se quando algo está irremediavelmente perdido. Não sei precisar se este é um dito local mas bem poderia ter nascido de uma situação caricata protagonizada pelo Francisco Ceguinho, tocador de viola e cantador.
Nos finais do século XIX as festas do Império da Caridade das Figueiras do Paím da Praia da Vitória, que se realizavam, tal como hoje, no último domingo do mês de Setembro, terminavam invariavelmente com uma “toirada” à corda. Em determinado ano entenderam os mordomos substituir esta tradição por uma corrida de praça. Para tal o Largo das Figueiras do Paím foi transformado numa arena delimitada por palanques e camarotes que se encheram com pessoas da Vila e de fora dela.
O Francisco Ceguinho também não quis faltar à festa. Dentro do recinto, antes e no intervalo dos toiros, sempre guiado por um rapaz, parava o Cego em frente dos palanques cantando às pessoas de maior estatuto, começando sempre com a mesma cantiga, mudando apenas o terceiro verso onde cabia o nome do visado:

Fé, esperança e caridade
São três armas da virtude;
Senhor…fulano de tal
Lá vai à vossa saúde.

Entre cada quadra advertia o Cego o seu guia para que este tivesse atenção à saída do toiro.
Em determinada altura sai-se com esta:

Ò rapaz, toma cautela,
Repara bem p’rá gaiola;
Se eles soltam o bicho,
Adeus cego, adeus viola.

Isto dito rebenta um foguete e, no mesmo instante, sai para a arena um valente toiro puro que não vê mais ninguém à sua frente do que o nosso indefeso cantador. Resultado: Cego para um lado, viola para o outro feita em mil pedaços.
Até parece que estava a adivinhar!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

"AMANHÃ JEJUA O PRETO"...

…diz-se a quem adia sucessivamente uma obrigação. Este ditado, que ouvimos em todo o país, tem, como muitos outros, uma história que o justifica.
Conta-se que “certa vez um preto foi à confissão e recebeu do padre como penitência jejuar no dia seguinte. O penitente, com medo de se esquecer, pediu ao padre que lhe escrevesse num papel o dia em que haveria de cumprir a penitência. O padre escreveu:
“Amanhã jejuará o preto!”
Todos os dias lia o preto o papel. Como nele dizia “amanhã” descansava o preto:
“Inda bem que nã ser hoje”.
E nunca jejuou.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

VÁ DENTRO!

(Foto: Bagos d'Uva)


Vender vinho à “porta” é hoje, tal como ontem, prática comum nas casas agrícolas onde a produção excede o auto consumo. Para dar a conhecer este intento aos possíveis compradores basta colocar à porta de casa, de forma bem visível, um ramo de videira. É também assim que as pequenas mercearias de freguesia e alguma “tasca manhosa” – das poucas que ainda resistem – anunciam a chegada do “vinho novo”.
As tascas e tabernas que abundaram em Angra do Heroísmo até à década de 70 de século passado, e que desapareceram por completo após o grande terramoto de 1980, utilizavam o mesmo recurso com o mesmo fim.

Sobre esta prática tradicional escreveu Sousa Viterbo um artigo intitulado “Estudos Ethnográphicos” publicado na Revista Lusitana Vol XXIII de 1920:

Numa porta se põe o ramo, e noutra se vende o vinho”

Este provérbio alude ao antiquíssimo costume de se pendurar um ramo à porta das tabernas, como sinal de venda de vinho.

Entre nós usava-se, geralmente, o ramo de louro, certamente porque esta planta era uma das dedicadas a Baco pelo paganismo. Também se usava um ramo de pinho.
Baco, Sileno, os Faunos, os Sátiros, as Bacantes e, em geral, os deuses campestres, representavam-se rodeados de louro.
Não sei se os romanos empregavam louro como insígnia da venda de vinho, mas do uso da hera (que também era consagrada a Baco) há o testemunho dos provérbios: a) Vino vendibili non opus est hedera; b) Laudato vino non opus est hedera; c) Vino vendibili suspensa hedera nihil opus.

Na Pranto de Maria Parda, de Gil Vicente, Maria Parda vendo as ruas de Lisboa com poucos ramos nas tabernas e o vinho tão caro, lamenta-se amargamente:

Ó travessa Zanguizarra
De Mata-porcos escura,
Como estás de ma ventura
Sem ramos de barra a barra”

E mais adiante:

“Que foi do vosso vinho,
E tanto ramo de pinho,
Laranja, papel e cana,
Onde bebemos Joanna
E eu cento e hum cinquinho


Camões (Filodemo, act. II, sc.2ª) alude também ao ramo de pinho: “Oh maravilhosa pessoa! Vós he certo que vos prezais de mais certo em casa, que pinheiro em porta de taverna…”.

Conta Garcia de Rezende que certo fidalgo, indo uma vez falar a D. João II, depois d ter conferenciado com a botelha mais do que seria justo, mascou uma porção de loiro para disfarçar o cheiro. Era já nesse tempo, como agora, o ramo de louro a insígnia ovante dos templos de Baco. O rei percebeu logo o louro e o que ele ocultavae, virando-se para o fidalgo, perguntou-lhe, com um sorriso: “Fulano, debiaxo desse louro, quanto vale e canada?”

Os provérbios atestam a generalização, em outros países, do uso de um ramo à porta, como insígnias dos taberneiros.
Em França, já no século XVIII se dizia: A bom vin il ne faut point de bouchon – e isto porque naquele país era tradicional o ramo à porta das tabernas, como se vê do Dictionnaire Universel, de Furetiére (Rotterdam, 1708, vb. “bouchon”: “Bouchon de taverne,est un signe qu’ont met à une maison pour montrer qu’on y vend du vin à port. Il est fait de lierre, de houx, de ciprés, & quelquefois d’un chou. Les Taverniers payent un droit de bouchon”.

Francesco de Alberti, no seu Nuovo Dizionario Italiano-Francese (Bassano, 1777), vb.
“ frasca”, insere o provérbio “al buon vino non bisogna frasca” e revela-nos nos seguintes termos o uso do ramo em Itália: “Il buon vino non há bisogno d’allettamento, e di contrassegno, tolta la metaf. Da quella frasca, che mettono i Tavernaj sopra le porte, quando fanno qualche manomessa di vino per allettare la gente”.

Bohn, no seu livro “A polyglot of foreign proverbs”, inclui o provérbio holandês “goede wijn behoeft geen kraus” (o bom vinho não precisa ramo).

Expressa-se nos mesmos termos o provérbio inglês “good wine needs no bush”.

Do uso do ramo em Espanha não tenho presente nenhum provérbio comprovativo, mas dele fala António de Trueba, num conto publicado in “La Ilustración Española y Americana” ano XIX, nº 31: “Una hermosa tarde del verannilo de San Martin, que es precisamente cuando la justicia permite poner ramo para la venta de los vinos nuevos…”.

O missionário Fr. João dos Santos testemunha o uso do ramo à porta das tabernas, na Índia, quando, na sua Etiópia Oriental (Évora, 1609) liv. I, cap.XV, refere o seguinte: “Outro elefante houve nesta ribeira, chamado Perico, muito nomeado e conhecido na Índia. Este era grande bêbado: e todas as vezes que passava por alguma casa onde estivesse ramo de vinho, se punha á porta, metia dentro a tromba, e não se bulia dali até lhe darem de beber”.


Digo eu: não hei-de estranhar o dia em que, num qualquer país deste mundo de Deus, para além do ramo à porta, ouça também alguém gritar: “VÁ DENTRO!”.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

OS SANTOS ADVOGADOS

Para os católicos, o segundo Mandamento da Lei de Deus determina "não tomar o Seu Santo Nome em vão". Talvez por esse motivo e na observância rigorosa desta Lei, a relação diária que o "povo" mantém com o Divino aconteça com recurso à utilização de um intermediário que, por sua intercessão, faça chegar ao Pai os seus humildes pedidos de protecção: "são os Santos Advogados, Protectores e Padroeiros".

Segundo uma lista publicada por A. Thomás Pires na "Revista Lusitana" vol IV de 1896, eis alguns que se celebram no mês de Outubro:

Dia 8 - S. Brigida, advogada contra as dores de cabeça (depois de 1970 passou a ser celebrada no dia 23 de Julho);

10 - S. Francisco de Borja, advogado contra os terramotos e padroeiro do Reino e das conquistas;

13 - S. Eduardo, advogado contra a gota coral e desmaios;

19 - S. Pedro d' Alcantara, advogado universal para conseguir o que lhe pedirem;

20 - S. João Câncio, advogado contra as febres;

24 - S. Rafael Arcanjo, advogado dos enfermos e caminhantes;

25 - S. Crispim e S. Crispiniano, primitivos padroeiros de Lisboa e patrono dos sapateiros;

31 - S. Quintino, advogado contra a surdez e mal dos ouvidos.

"TOC' A MÚSICA"...

...toda!... sem elitismos nem adjectivos.

Viva a Música!