terça-feira, 5 de junho de 2012

OS MEUS ÓCULOS NOVOS

- Deixa cá vê c’o avô descasca!
Do fundo do bolso dos “alvarozes”, onde já não cabia um remendo, tirou a navalha que "troivera", há muito, das Américas. Abriu a lâmina grande de aço temperado amolada em pedra-pomes escolhida “amodes”. Na mão esquerda segurou a laranja com firmeza. Cortou-lhe um dos topos, depois o outro e, fazendo uma suave incisão a meio, começou a rodá-la. Antes de completar uma volta parou.
- Ó avô! – disse eu já impaciente – O que é que o avô está  pra’i a fazer?
- Uma coisa – disse ele enquanto enfiava a ponta da navalha por baixo dos anéis da casca que, com muito cuidado, ia descolando.
- Pronto! Já está!
Os meus olhos bailaram entre as duas mãos do meu avô.
- Fecha os olhos! – disse meu avô naquele seu tom doce mas suficientemente autoritário para impor o respeito.
O tempo parecia parado.
- Já posso abrir? – perguntei revelando natural impaciência.
- Já!
E foi então, lembro-me agora, que pelos meus novos óculos de casca de laranja comecei a ver o mundo!