sexta-feira, 28 de maio de 2010

A LIÇÃO

foto roubada a "Bagos d'Uva"

O Grupo Folclórico Fontes da Nossa Ilha – GFFNI- completou, recentemente, 25 anos de actividade, comemorando assim as suas “bodas de prata”.

Se a efeméride se tivesse resumido à simples lembrança da data, com uma palestra, um comes e bebes da praxe e um artigo para os jornais com uma foto do grupo, sobejaria a palavra “parabéns” e eventualmente os desejos de “outros tantos anos de vida”. Mas o que aconteceu obriga-nos, por uma questão de justiça e pudor, a dizer mais duas ou três palavras.

Logo a primeira com um pedido de desculpas pelo facto de, e apesar de atempadamente ter-mos recebido convite para participar na festa do Divino Espírito Santo de 16 a 23 de Maio, imperativos que não interessam aqui, impediram-nos de estar presentes. Certamente que ficamos nós a perder.

Confesso que as expectativas criadas não eram, também, muito elevadas e, excepção feita às duas palestras agendadas, primeiro pela matéria e, sobretudo, pelo orador Padre Hélder, estudioso e profundo conhecedor da temática do Espírito Santo, o restante, pensava-mos nós, seria igual a tantas outras mordomias e “brianças” para as quais temos sido convidados.

Diariamente, mercê de um trabalho (excelente, diga-se) de informação que nos foi proporcionado de forma apaixonada pelo blog “Bagos d’Uva”, que fez o acompanhamento de todos os momentos desta semana especial, fomos tendo a percepção que afinal estávamos enganados.

O que o GFFNI se propunha fazer era, afinal, muito mais do que preencher uma semana com uma mordomia banal.
O que o GFFNI se propunha fazer, e estava fazendo com o envolvimento e orgulho da comunidade onde está inserido, era trazer de volta aos olhos de todos, os verdadeiros valores da Festa e a beleza de todo o cerimonial, fazendo de cada pormenor o seu ponto alto.
O que o GFFNI se propunha fazer, e estava fazendo era, afinal, trocar o trabalho fácil de fazer a Festa “comprando tudo feito” por muito trabalho feito com muito saber, amor e paixão.
O que o GFFNI se propunha fazer e estava fazendo a cada dia que passava, era mostrar a todos que a Festa, a autentica, é ainda possível com toda a sua riqueza cerimonial e com a preservação de todos os seus valores.
A dignidade posta em cada uma dos momentos da Festa foi sinónima do respeito pela sua simbologia: desde o receber as “insígnias”, a sua colocação em lugar previamente decorado, o terço participado, a abundância e apresentação da “mesa” para as visitas, o ir buscar o vinho, o preparar as flores para os bezerros, a folia que culmina com a bênção do gado pelos seus criadores, a “amassadura” e cozedura do pão e da “massa”, a ceia dos criadores, a partilha permanente, e entreajuda espontânea, a alegria saudável, as sopas, a organização do cortejo da “coroação”, com a entrega das “insígnias” com as devidas distinções, a cerimónia da “coroação”, o bodo, o pão, o vinho, o regresso, a entrega de esmolas, a função, o regresso ao “império”, o arraial, enfim, tudo o que o GFFNI se propôs fazer, fê-lo como deve ser feito e provou, assim, que pode ser feito sem ter que se recorrer aos efeitos perniciosos de uma representação “folclórica”.
O que o GFFNI fez, sem grandes alaridos e parangonas, foi dar uma lição de como se deve trabalhar e dinamizar a cultura popular, evitando a todo o custo a sua “folclorização”.

O “folclore” é um fóssil da cultura popular (que o Divino Espírito Santo me proteja!).

O que nós sempre defendemos, e por vezes de uma forma solitária, é uma cultura popular viva, em que todos se revejam e se identifiquem com ela, sem adereços de faz de conta, sem medos de parecer fora de moda, num esforço permanente de a alimentar com o nosso empenho desinteressado, utilizando-a em nosso proveito e prazer sem a desvirtuar, partilhando-a sem preconceitos e deixando-a orgulhosamente como uma herança digna e apetecível aos nossos vindouros.

O que o GFFNI fez durante a semana de 16 a 23 de Maio de 2010 foi, com muita humildade, dar o seu contributo.

Que todos saibam, ao menos, tirar o proveito desta eloquente Lição!
.

4 comentários:

Bagos disse...

Caro Amigo Vieira Brito

Pelos vistos não foi só a foto que nos "roubaram"...ficamos igualmente sem palavras perante as referencias ao Bagos d'Uva.
Resta-nos deixar com o nosso obrigado aquele abraço.

Vieira Brito disse...

Caro Luís e especial amigo
Quando se faz um elogio cometem-se mil injustiças por omição. O elogio a Bagos d'Uva peca apenas por defeito.
Obrigado por teres sido os olhos dos que não puderam, como eu, estar presentes não só nesta semana nas Fontinhas como também, mais recentemente, nos Quatro Cantos.
Abraço

Leandro disse...

Agradecemos as palavras que foram dirigidas ao Grupo Folclórico Fontes da Nossa Ilha, no âmbito do evento realizado entre 16 e 23 de Maio do corrente ano. Com esta iniciativa acreditamos que o folclore não se resume somente ao dançar, cantar e mostrar artefactos em desuso. É nossa convicção que os grupos folclóricos também devem aliar-se ao genuíno da nossa cultura popular e ao que ainda vai acontecendo nas nossas freguesias, dando-lhe um sentido de pertença cultural à comunidade de onde o grupo esta inserido. Foi o que fizemos (pensamos nós).
Esperamos confiantemente que surjam outras iniciativas (já existem algumas é certo), preconizadas pelos grupos da nossa ilha. Almejamos igualmente que haja uma maior aproximação entre os grupos, que se sentem todos ao redor da mesma mesa, pois a ementa interessa a todos: cultura popular terceirense.
As palavras dos seus comentários são uma boa recompensa e um alento. O nosso sincero obrigado.
Leandro Ávila

Vieira Brito disse...

Leandro
O que nos dão por justiça não se agradece. As minhas palavras são uma justa, embora modesta, forma de reconhecer e de me congratular com o Vosso trabalho. Nada têm a agradecer.
Cumprimentos