A tradição do Carnaval na Ilha Terceira é um fenómeno interessante de resistência ao estereótipo brasileiro, contrariando o que acontece um pouco por toda a parte onde é festejado. Uma resistência pacífica, sem dirigismos nem tutela, que provém apenas da vontade do “povo”.
As manifestações de Entrudo na Terceira tomam a forma de “danças de espada”, “danças de pandeiro”, “bailhinhos” e “comédias” e são, na opinião abalizada de José Orlando Bretão (1939 - 1998) advogado e estudioso do folclore açoriano, em especial das danças de Carnaval, exemplos de teatro puro, reminiscências do teatro medieval. São também para este investigador, a única e a última manifestação de cultura verdadeiramente tradicional e popular desta Ilha. Como ele gostava de sublinhar este é “o maior festival de teatro do mundo”.
A sua vitalidade pode medir-se pelos números aproximados deste ano, que pecarão certamente por defeito: 60 grupos organizados, envolvendo cerca de 2 000 pessoas, de entre músicos, actores, costureiras, autores de enredos e das músicas, ajudantes, etc., etc.. Efectuaram-se cerca de 1 600 representações para um público estimado em mais de 30 000 espectadores, numa ilha com pouco mais de 60 000 habitantes. Isto em apenas 4 dias! É obra!
Perante tamanho vigor pode concluir-se que esta tradição está de pedra e cal.
Estará?
No que diz respeito ao empenho popular e ao seu envolvimento espontâneo nesta tradição, não restarão dúvidas que sim e, o que é muito importante, de uma forma transversal a todos os sexos, idades e condições sociais. Exemplos inteligentes de criatividade e inovação nos textos dos enredos e nas músicas também não faltam. A qualidade dos actores e dos executantes musicais é cada vez mais apurada. A evolução é endócrina, permanente e natural e é, ao fim e ao cabo, o que mantém viva a tradição evitando assim a sua “folkorização”.
Mas existem alguns sinais de perigo que, de forma dissimulada, começam a minar esta herança cultural. Sem exaustão vou referir apenas aqueles que, quanto a mim são os mais gritantes:
1 – A crescente banalização dos eventos com o prolongamento das exibições fora da quadra carnavalesca como vem acontecendo nos últimos anos. Neste capítulo julgo que muita da responsabilidade cabe aos próprios grupos que, provavelmente com a melhor das intenções, estão a satisfazer interesses que não os seus. É que, lá diz o velho ditado, “o melhor da festa é esperar por ela”. Tal como defendi em outro artigo deste blog – As Quadras – tudo tem o seu tempo próprio ou então cheira a mentira, a vigarice, a artificialismo. A continuar assim, daqui por algum tempo, poderemos ver danças e bailinhos de Carnaval o ano todo, transformados em espectáculos de teatro ligeiro e de variedades.
2 - A moderna tendência de classificar as “danças e os bailinhos” fomentada e veiculada pelos órgãos de comunicação social pode vir a tornar-se uma arma letal par a maioria destes. Por tradição os grupos organizam-se sem intuitos competitivos, tendo apenas como único objectivo o aspecto lúdico. A criação de uma “divisão de elite”, onde só caberão apenas alguns, irá resultar inexoravelmente no desaparecimento dos preteridos.
3 – Todas as tentativas de regulamentação da acção destes grupos devem ser evitadas. Mesmo que aparentemente inofensivas como é o caso da hipotética calendarização das exibições e a organização dos percursos. Cada grupo deve gerir internamente todos os passos que irá percorrer desde a hora em que os elementos se juntam e decidem organizar-se até à última actuação de terça-feira gorda.
4 – A concentração dos espectáculos em grandes pavilhões multiusos, auditórios ou teatros, em detrimento das Sociedades Recreativas das freguesias rurais, é uma tendência recente que vem prejudicar e descaracterizar toda a envolvente da festa. O Carnaval tradicional na Terceira é um autêntico festival dos sentidos: é ver e ouvir “danças e bailinhos”; é tocar e abraçar o amigo que já não se via há algum tempo; é cheirar os petiscos que se preparam nos bares das sociedades; é provar da merenda que o ocupante da cadeira ao lado preparou para estes dias.
Por outro lado as “danças e bailinhos” são espectáculos de proximidade, em que os “artistas” e o público quase se tocam. O convencionalismo dos grandes espaços cria um fosso entre o palco e a plateia impossibilitando essa simbiose.
O diagnóstico precoce destes ou de outros perigos que espreitam esta herança cultural e a sua consequente denúncia é a única arma ao nosso alcance para fazer frente àqueles que, voluntária ou involuntariamente, andam a tramar a tradição
As manifestações de Entrudo na Terceira tomam a forma de “danças de espada”, “danças de pandeiro”, “bailhinhos” e “comédias” e são, na opinião abalizada de José Orlando Bretão (1939 - 1998) advogado e estudioso do folclore açoriano, em especial das danças de Carnaval, exemplos de teatro puro, reminiscências do teatro medieval. São também para este investigador, a única e a última manifestação de cultura verdadeiramente tradicional e popular desta Ilha. Como ele gostava de sublinhar este é “o maior festival de teatro do mundo”.
A sua vitalidade pode medir-se pelos números aproximados deste ano, que pecarão certamente por defeito: 60 grupos organizados, envolvendo cerca de 2 000 pessoas, de entre músicos, actores, costureiras, autores de enredos e das músicas, ajudantes, etc., etc.. Efectuaram-se cerca de 1 600 representações para um público estimado em mais de 30 000 espectadores, numa ilha com pouco mais de 60 000 habitantes. Isto em apenas 4 dias! É obra!
Perante tamanho vigor pode concluir-se que esta tradição está de pedra e cal.
Estará?
No que diz respeito ao empenho popular e ao seu envolvimento espontâneo nesta tradição, não restarão dúvidas que sim e, o que é muito importante, de uma forma transversal a todos os sexos, idades e condições sociais. Exemplos inteligentes de criatividade e inovação nos textos dos enredos e nas músicas também não faltam. A qualidade dos actores e dos executantes musicais é cada vez mais apurada. A evolução é endócrina, permanente e natural e é, ao fim e ao cabo, o que mantém viva a tradição evitando assim a sua “folkorização”.
Mas existem alguns sinais de perigo que, de forma dissimulada, começam a minar esta herança cultural. Sem exaustão vou referir apenas aqueles que, quanto a mim são os mais gritantes:
1 – A crescente banalização dos eventos com o prolongamento das exibições fora da quadra carnavalesca como vem acontecendo nos últimos anos. Neste capítulo julgo que muita da responsabilidade cabe aos próprios grupos que, provavelmente com a melhor das intenções, estão a satisfazer interesses que não os seus. É que, lá diz o velho ditado, “o melhor da festa é esperar por ela”. Tal como defendi em outro artigo deste blog – As Quadras – tudo tem o seu tempo próprio ou então cheira a mentira, a vigarice, a artificialismo. A continuar assim, daqui por algum tempo, poderemos ver danças e bailinhos de Carnaval o ano todo, transformados em espectáculos de teatro ligeiro e de variedades.
2 - A moderna tendência de classificar as “danças e os bailinhos” fomentada e veiculada pelos órgãos de comunicação social pode vir a tornar-se uma arma letal par a maioria destes. Por tradição os grupos organizam-se sem intuitos competitivos, tendo apenas como único objectivo o aspecto lúdico. A criação de uma “divisão de elite”, onde só caberão apenas alguns, irá resultar inexoravelmente no desaparecimento dos preteridos.
3 – Todas as tentativas de regulamentação da acção destes grupos devem ser evitadas. Mesmo que aparentemente inofensivas como é o caso da hipotética calendarização das exibições e a organização dos percursos. Cada grupo deve gerir internamente todos os passos que irá percorrer desde a hora em que os elementos se juntam e decidem organizar-se até à última actuação de terça-feira gorda.
4 – A concentração dos espectáculos em grandes pavilhões multiusos, auditórios ou teatros, em detrimento das Sociedades Recreativas das freguesias rurais, é uma tendência recente que vem prejudicar e descaracterizar toda a envolvente da festa. O Carnaval tradicional na Terceira é um autêntico festival dos sentidos: é ver e ouvir “danças e bailinhos”; é tocar e abraçar o amigo que já não se via há algum tempo; é cheirar os petiscos que se preparam nos bares das sociedades; é provar da merenda que o ocupante da cadeira ao lado preparou para estes dias.
Por outro lado as “danças e bailinhos” são espectáculos de proximidade, em que os “artistas” e o público quase se tocam. O convencionalismo dos grandes espaços cria um fosso entre o palco e a plateia impossibilitando essa simbiose.
O diagnóstico precoce destes ou de outros perigos que espreitam esta herança cultural e a sua consequente denúncia é a única arma ao nosso alcance para fazer frente àqueles que, voluntária ou involuntariamente, andam a tramar a tradição
1 comentário:
Tudo é único apenas quando está enquadrado no tempo e espaço próprio!
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