(Foto: Bagos d'Uva)
Vender vinho à “porta” é hoje, tal como ontem, prática comum nas casas agrícolas onde a produção excede o auto consumo. Para dar a conhecer este intento aos possíveis compradores basta colocar à porta de casa, de forma bem visível, um ramo de videira. É também assim que as pequenas mercearias de freguesia e alguma “tasca manhosa” – das poucas que ainda resistem – anunciam a chegada do “vinho novo”.
As tascas e tabernas que abundaram em Angra do Heroísmo até à década de 70 de século passado, e que desapareceram por completo após o grande terramoto de 1980, utilizavam o mesmo recurso com o mesmo fim.
Sobre esta prática tradicional escreveu Sousa Viterbo um artigo intitulado “Estudos Ethnográphicos” publicado na Revista Lusitana Vol XXIII de 1920:
“Numa porta se põe o ramo, e noutra se vende o vinho”
Este provérbio alude ao antiquíssimo costume de se pendurar um ramo à porta das tabernas, como sinal de venda de vinho.
Entre nós usava-se, geralmente, o ramo de louro, certamente porque esta planta era uma das dedicadas a Baco pelo paganismo. Também se usava um ramo de pinho.
Baco, Sileno, os Faunos, os Sátiros, as Bacantes e, em geral, os deuses campestres, representavam-se rodeados de louro.
Não sei se os romanos empregavam louro como insígnia da venda de vinho, mas do uso da hera (que também era consagrada a Baco) há o testemunho dos provérbios: a) Vino vendibili non opus est hedera; b) Laudato vino non opus est hedera; c) Vino vendibili suspensa hedera nihil opus.
Na Pranto de Maria Parda, de Gil Vicente, Maria Parda vendo as ruas de Lisboa com poucos ramos nas tabernas e o vinho tão caro, lamenta-se amargamente:
“Ó travessa Zanguizarra
De Mata-porcos escura,
Como estás de ma ventura
Sem ramos de barra a barra”
E mais adiante:
“Que foi do vosso vinho,
E tanto ramo de pinho,
Laranja, papel e cana,
Onde bebemos Joanna
E eu cento e hum cinquinho
Camões (Filodemo, act. II, sc.2ª) alude também ao ramo de pinho: “Oh maravilhosa pessoa! Vós he certo que vos prezais de mais certo em casa, que pinheiro em porta de taverna…”.
Conta Garcia de Rezende que certo fidalgo, indo uma vez falar a D. João II, depois d ter conferenciado com a botelha mais do que seria justo, mascou uma porção de loiro para disfarçar o cheiro. Era já nesse tempo, como agora, o ramo de louro a insígnia ovante dos templos de Baco. O rei percebeu logo o louro e o que ele ocultavae, virando-se para o fidalgo, perguntou-lhe, com um sorriso: “Fulano, debiaxo desse louro, quanto vale e canada?”
Os provérbios atestam a generalização, em outros países, do uso de um ramo à porta, como insígnias dos taberneiros.
Em França, já no século XVIII se dizia: A bom vin il ne faut point de bouchon – e isto porque naquele país era tradicional o ramo à porta das tabernas, como se vê do Dictionnaire Universel, de Furetiére (Rotterdam, 1708, vb. “bouchon”: “Bouchon de taverne,est un signe qu’ont met à une maison pour montrer qu’on y vend du vin à port. Il est fait de lierre, de houx, de ciprés, & quelquefois d’un chou. Les Taverniers payent un droit de bouchon”.
Francesco de Alberti, no seu Nuovo Dizionario Italiano-Francese (Bassano, 1777), vb.
“ frasca”, insere o provérbio “al buon vino non bisogna frasca” e revela-nos nos seguintes termos o uso do ramo em Itália: “Il buon vino non há bisogno d’allettamento, e di contrassegno, tolta la metaf. Da quella frasca, che mettono i Tavernaj sopra le porte, quando fanno qualche manomessa di vino per allettare la gente”.
Bohn, no seu livro “A polyglot of foreign proverbs”, inclui o provérbio holandês “goede wijn behoeft geen kraus” (o bom vinho não precisa ramo).
Expressa-se nos mesmos termos o provérbio inglês “good wine needs no bush”.
Do uso do ramo em Espanha não tenho presente nenhum provérbio comprovativo, mas dele fala António de Trueba, num conto publicado in “La Ilustración Española y Americana” ano XIX, nº 31: “Una hermosa tarde del verannilo de San Martin, que es precisamente cuando la justicia permite poner ramo para la venta de los vinos nuevos…”.
O missionário Fr. João dos Santos testemunha o uso do ramo à porta das tabernas, na Índia, quando, na sua Etiópia Oriental (Évora, 1609) liv. I, cap.XV, refere o seguinte: “Outro elefante houve nesta ribeira, chamado Perico, muito nomeado e conhecido na Índia. Este era grande bêbado: e todas as vezes que passava por alguma casa onde estivesse ramo de vinho, se punha á porta, metia dentro a tromba, e não se bulia dali até lhe darem de beber”.
Digo eu: não hei-de estranhar o dia em que, num qualquer país deste mundo de Deus, para além do ramo à porta, ouça também alguém gritar: “VÁ DENTRO!”.
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