sábado, 15 de novembro de 2008

O SEGURO MORREU DE VELHO

O carbúnculo hemático é uma das zoonoses mais temidas pelos nossos lavradores. Devido às suas características sintomáticas é, por vezes, de tardio diagnóstico. A morte é quase sempre o desfecho natural e por vezes é tão rápida que só depois se percebem os sintomas.
Na ilha Terceira esta enfermidade era vulgarmente denominada por “cabrum” e, por isso, associada ao gado caprino e ovino. Daí que em quase todos os rebanhos de gado bovino houvesse sempre uma ou duas cabras ou ovelhas para que, no entender popular, se surgisse um surto desta terrível doença, eles fossem os primeiros animais a serem atingidos. Assim avisados os lavradores poderiam então tomar as devidas providências.
Aí pela década de 80 do sec. XX os Serviços Veterinários promoveram, como medida profilática, uma campanha de vacinação contra o carbúnculo, na qual eu também participei.
Um belo dia, num curral na zona do Paul, apercebemo-nos que, após a aplicação da vacina, os homens levavam o animal dominado para um outro canto do recinto onde, de uma forma mais ou menos dissimulada, consumavam um procedimento que nós não conseguia-mos identificar. Curioso, aproximei-me dos homens e vi que um deles, de navalha em punho, abria um pequeno golpe na pele da pá da mão do bovino onde introduzia um dente de alho.
A minha curiosidade levou-me a perguntar, de imediato, o porquê desta prática. A resposta saiu pronta da boca do lavrador:
- Desde pequeno que lido com rezes e sempre ouvi meu pai falar das doenças que elas têm. E também sempre ouvi dizer como é que elas se tratam. E para o “cabrum” sempre se vacinou com um dente de alho, concluiu o meu interlocutor com veemência.
Meio atordoado com a resposta, atrevi-me a perguntar de novo: “Então para quê este trabalho todo? Bastava fazer uma vacina!
- Pois…mas se uma não pegar pega a outra. O seguro morreu de velho!

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