segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

CINQUENTA COISAS PERIGOSAS e a minha navalhinha

Um livro, recentemente lançado nos Estados Unidos da América, defende que existem, pelo menos, cinquenta coisas "perigosas" que devemos deixar as crianças fazerem. Lamber uma pilha electrica, brincar com fósforos, agulhas ou facas são apenas algumas das liberdades que agora se "descriminaliza". Claro que sempre com a supervisão de um adulto pois que o objectivo não é pôr em causa a segurança da criança, mas antes deixá-la passar por experiências que contribuam para a sua aprendizagem e desenvolvimento.
Aliás foi esta a escola onde todos nós andamos quando brincar era uma coisa séria.
Brincar era muito mais do que uma atividade lúdica. A brincar divertiamo-nos, é certo, mas também recriava-mos, interpretava-mos e relacionávamo-nos com o mundo à nossa volta.
As brincadeiras eram autenticas aulas práticas multi-disciplinares (ou atelier´s como hoje se diz ).
Quase todos os nossos brinquedos eram "fabricados" por nós.
Isto traz-me à lembrança uma das primeiras prendas que me recordo de ter recebido do "Menino Jesus": uma "navalhinha"! Isso mesmo: uma "navalhinha"!

Com ela, a partir de então, pude construir todo o meu mundo: os meus bois de soco de milho com a respectiva canga e as restantes alfaias agricolas; as gaitas de cana que compunham os vários naipes da nossa "filarmónica"; a "atiradeira" com a qual afugentáva-mos os "melros" das colheitas; as peças para armar o "setil"; os papagaios que lancáva-mos em dias de vento; os moínhos "espanta melros" feitos de cana talhada; os "rodeiros"... e tantos outros!
Com a minha "navalhinha" aprendi a dor de um golpe. Por essa via, o seu manuseamento e os cuidados a ter com os objectos cortantes mesmo sem livro de instruções nem supervisão de adultos.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

CANDEIAS

Nossa Senhora da Luz, da Candelária, das Candeias, das Estrelas ou da Purificação são títulos pelos quais o mundo católico evoca a purificação de Nossa Senhora, cuja celebração ocorre a 2 de Fevereiro, encerrando-se assim o ciclo do Natal.


Segundo a lei judaica, as mulheres, após darem à luz, ficavam impuras, pelo que estavam proibidas de visitar ao Templo até quarenta dias após o parto. Findo este período deviam apresentar-se diante do sumo-sacerdote a quem entregariam o seu sacrifício (um cordeiro e duas pombas ou duas rolas) e assim purificarem-se. Desta forma, José e Maria, levando consigo o Menino, apresentaram-se diante de Simeão para cumprir o seu dever e este, reconhecendo tratar-se do “Messias”, o filho de Deus feito homem, ter-lhes-ia dito: «Agora, Senhor, deixa partir o vosso servo em paz, conforme a Vossa Palavra. Pois os meus olhos viram a Vossa salvação que preparastes diante dos olhos das nações: Luz para aclarar os gentios, e glória de Israel, vosso povo» (Lucas, 2, 29-33).

Com base na evocação deste acontecimento nasceu a festa de Nossa Senhora da Purificação; do cântico de São Simeão (conhecido pelas suas primeiras palavras em latim: o Nunc dimittis), que promete que Jesus será a luz que irá aclarar os gentios, nasce o culto em torno de Nossa Senhora da Luz/das Candeias/da Candelária/das Estrelas, cujas festas eram geralmente celebradas com uma procissão de velas, a relembrar o facto.


Segundo o Licenciado Gaspar Pirez de Rabello, em “Thesouro de pensamentos concionativos” – parte primeira – pag. 83 – Lisboa, 1635,

“Hua procissão se faz em dia da purificação da Virgem nossa Senhora, a qual se chama das candêas, porque em esse dia se benzem, & levam em a procissão. Sancto Agostinho, o venerável Beda, Innocencio terceiro, & outros, dizem, que a causa porque a Igreja ordenou a festa da purificação com candêas accezas, foy pera desterrar o antigo ritu dos Gentios, os quais festejavam com muitas luminarias ao Deos Februo a quem tinham dedicado o mês de Fevereiro, & quis a Igreja que o que se fazia a um Deos falso, se fizesse, com toda a rezão, ao Deos verdadeiro”.

Outra informação faz-nos recuar ao Império Romano onde encontramos uma tradição que se repetia anualmente a 2 de Fevereiro e que consistia na realização de uma procissão de luzes.
Nesse dia recordava-se o sofrimento da Deusa Ceres, mãe das colheitas, quando Proserpina, filha de Ceres e Júpiter (Zeus) foi levada para o Inferno por Plutão (Hades) para companheira dele. Ceres, furiosa, impediu que as colheitas crescessem nesse ano. Zeus conseguiu negociar com Hades a sua libertação. O regresso de Proserpina ao mundo dos Deuses marcou a chegada da Primavera e o calendário Romano passou, desde então, a ter quatro estações.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

ALMANAQUES

Um almanaque ou Almanach (do árabe al-manākh, segundo Antenor Nascentes) é uma publicação, quase sempre anual, que reúne calendário com datas das principais efemérides astronómicas como os solstícios e fases lunares. Actualmente os almanaques englobam outras informações com actualizações periódicas específicas a vários campos do conhecimento.

Segundo Correia e Guerreiro, o primeiro almanaque editado em Portugal foi impresso em Leiria em 1496: o “Almanach Perpetuum” de Abraão Zacuto. Fornecia tábuas logarítmicas e outras indicações com respeito ao curso do sol para cada dia do ano.
Em 1518 e 1585 é editado o “Reportório dos Tempos” por Valentim Fernandes e André de Avelar, respectivamente.
Em 1603 Manuel de Figueiredo publica em Lisboa a sua “Cronografia Reportório dos Tempos”.
Em 1644, com apenas oito folhas, editam-se os “Prognósticos e Lunários”. São compostos por licenciados como Galhanos Lourosa, Paes Ferraz, Francisco Espinosa, Gonçalves da Costa, e são impressos nas oficinas de António Alvarez, António Graesbeck ou J. Galrão. Estes Prognósticos virão a transformar-se mais tarde no tão popular Borda-d’água.

A segunda metade do século XIX testemunha a proliferação deste tipo de publicações de incontestável importância, se bem que cada vez mais distanciados do avanço científico e técnico que então se conhece.
De acordo com os seus públicos, podem ser um pequeno folheto, dirigido à população rural e dos arredores das cidades ou, então, aumentar o número de páginas, tornando-se num instrumento de divulgação de conhecimentos quer para um público geral, mais burguês e citadino, quer junto de algumas camadas sociais diferenciadas por ideários políticos, religiosos ou por outros interesses muito específicos.
Existem Almanaques cujo objectivo é ainda próximo do primitivo: “Almanaque Agrícola”, “Almanaque do Agricultor, Veterinário e Medicina Doméstica”, “Almanaque de Bento Serrano”. Outros porém com uma visão mais moderna: “Almanaque de Grande Armazém de Roupas Brancas de José Marão”, “Almanaque Ilustrado do Jornal O Século”. Também os há dirigidos a determinadas actividades profissionais: “Almanaque do Jardineiro”, “Almanaque do Belo Sexo”, “Almanaque do Bombeiro Português” – ou de feição explicitamente recreativa – “Almanaque Can-Can”, “Almanaque das Travessuras de Cupido”, “Almanaque das Ratices da Tia Genoveva”, “Almanaque das Trapalhadas”, “Almanaque de Gargalhadas”, “Almanaque para Chorar... de Riso” ou o curiosíssimo “Almanaque Cabrion”. Alguns outros ostentam a colaboração de escritores: “Almanaque de Reporters”, “Almanaque do Burro do Senhor Alcaide” (com base na opereta de D. João da Câmara e Gervásio Lobato), “Almanaque do Fim do Século”, “Almanaque do Gato Preto”, “Almanaque do António Maria” (escrito por J. César Machado), etc. A feição religiosa também se faz anunciar nos próprios títulos: “Almanaque de Santo António”, “Almanaque de S. João”, “Almanaque de Seráfico e Milagroso S. Francisco”. As ciências ocultas também são contempladas: “Almanaque do Feiticeiro” ou “Almanaque dos Sonhos e Visões Nocturnas”. Não podiam faltar nesta lista os utilitários “Almanaque dos bons Fadinhos” ou “Almanaque dos Bons Pitéus”.

No século XIX algumas destas publicações mereceram a colaboração de intelectuais portugueses:
“Almanaque das Lembranças” (1851-1932)
“Almanaque Democrático” (1852-1855)
“Almanaque do Cultivador” em que colaboram António F. de Castilho e Dias Pegado
Em 1896 publica-se o primeiro “Almanach Encyclopedico” editado pela Livraria de António Maria Pereira com um extenso prefácio de Eça de Queiroz que define assim um “Almanach” :

«…é o livro disciplinar que coloca os marcos, traça as linhas dentro das quais circula, com precisão, toda a nossa vida social».

Três anos depois, em 1899, sai do prelo o “Almanach Bertrand”, que se tornaria muito popular, não só em terras lusas, como também no Brasil, sendo publicado até 1969 e que durante muitos anos contou com a colaboração de personalidades eminentes da cultura nacional.
Durante a primeira parte do século XX, os almanaques continuaram a merecer grande aceitação em Portugal principalmente os de pequena dimensão, os mais práticos, entre os quais temos de distinguir “O Velho Borda d’Água”, edição da Livraria Barateira, “O Verdadeiro Almanaque Borda d’Água”, edição da Editorial Minerva e “O Seringador”, hoje editado por Lello & Irmão, do Porto.
No arquipélago publica-se a “Folhinha da Terceira” entre 1830 e 1832. Em 1904 o “Almanaque Açores” que durará até 1956 e o “Almanaque do Camponez” fundado por Manuel Joaquim de Andrade em 1917 e que ainda hoje é publicado.

Alguns destes títulos têm ainda, em pleno século XXI, bastante aceitação e, pese embora a quantidade e a qualidade de informação posta à nossa disposição por outras vias no que diz respeito às previsões do tempo, por exemplo, os “almanaques” são ainda ferramentas indispensáveis para a organização e calendarização nomeadamente dos trabalhos agrícolas.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

PARA OS LIVROS NÃO SE PERDEREM


Um dia destes, ao folhear um livro escolar do “meu tempo”, não consegui evitar um sorriso ao ler, na primeira página e escrito à mão com caligrafia cuidada, o seguinte verso:
"Se este livro for perdido,
E por acaso for achado,
Para ser bem conhecido,
Leva o meu nome assinado"

Ocorreu-me então a referência que J. Leite de Vasconcelos fez a este costume publicada na Revista Lusitana, vol. VI, 1900-1901 a pag. 243, com o título:
“Para os livros não se perderem"
"É costume escrever à mão nos livros uns versos no teor dos seguintes, que encontrei em Lisboa numa miscellania do anno de 1804, e que aqui copio corrigindo a orthographia:

Se este livro for achado,
Quando venha a ser perdido,
Para ser bem conhecido,
Leva seu dono assignado;
E se acaso for emprestado,
Por algum conhecimento,
Dei-se-lhe bom tratamento,
Para que não venha a ser,
Livro do esquecimento.”

E concluía:

“Este costume, que nem é só nosso, nem é moderno, está porém hoje em decadência, e em regra limitado às crianças e ao povo.”

Esta sentença preconizada por Leite de Vasconcelos não teve, porém, aplicação imediata aqui nas "ilhas" pois que, decorridos cerca de sessenta anos, ainda era praticada.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

POR UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA

Padre Fontes
Acabei de ler e assinar a seguinte petição online dirigida ao Senhor Presidente da República:


Os abaixo assinados, conhecedores das relevantes iniciativas e actividades que, ao longo de toda a sua vida, o Padre António Lourenço Fontes, de Vilar de Perdizes, levou a efeito em prol da defesa das tradições sociais e culturais de Trás-os-Montes, em geral, e dos usos e costumes de Barroso, em particular, atraindo meios académicos e mobilizando a imprensa nacional e internacional para dar visibilidade à sua região, contribuindo assim para a recuperação, preservação e desenvolvimento turístico e económico das comunidades locais, estão convictos de que seria justo e merecido que o Exmo. Senhor Presidente da República lhe atribuísse um dos graus das Ordens Honoríficas Portuguesas como forma do reconhecimento da Nação e do Estado para com quem “por obras valerosas se vai da lei da morte libertando”.

A iniciativa partiu de um grupo de amigos do sacerdote transmontano que, desde segunda-feira, já recolheu depoimentos de pessoas das mais diversas áreas, desde o meio académico, religioso ou político, até de admiradores do Padre Fontes provenientes da Galiza.
Como pessoalmente concordo com esta petição, publico-a aqui pretendendo dar o meu contributo para a sua divulgação.

Subscreva-a também e divulgue-a pelos seus contactos.

A "cultura popular" agradece!

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

À VOSSA SAÚDE...

(Postal dos CTT - anos 40 do séc. XX)

... e com votos de um Bom Ano, voltamos hoje a cantar os Reis à porta de alguns amigos, dando assim continuidade a uma tradição que (ainda) não se perdeu.



terça-feira, 29 de dezembro de 2009

NATAL DOS SIMPLES

...ou uma forma simples de desejar

"BOM NATAL!"

sábado, 5 de dezembro de 2009

UM NÓVEL CONFRADE

(foto retirada do Blog Bagos D'Uva)

Em sessão solene, que decorreu no salão nobre dos Paços do Concelho da Praia da Vitória, foram hoje entronizados membros da Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos várias personalidades e instituições que, por seu mérito ou dedicação, mereceram por parte da Confraria essa distinção pública. Entre eles está o Grupo de Baile da Canção Regional Terceirense que vê assim, uma vez mais, reconhecido publica e institucionalmente o seu desempenho notável no campo da preservação da cultura popular.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A GUITARRA PELA BOCA DE VINICIUS



Uma mulher chamada guitarra

Um dia, casualmente, eu disse a um amigo que a guitarra, ou violão, era “a música em forma de mulher". A frase o encantou e ele a andou espalhando como se ela constituísse o que os franceses chamam un mot d'esprit. Pesa-me ponderar que ela não quer ser nada disso; é, melhor, a pura verdade dos fatos.O violão é não só a música (com todas as suas possibilidades orquestrais latentes) em forma de mulher, como, de todos os instrumentos musicais que se inspiram na forma feminina - viola, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo - o único que representa a mulher ideal: nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obediente ao seu amado, mas sem perda de caráter e dignidade; e, na intimidade, terna, sábia e apaixonada. Há mulheres-violino, mulheres-violoncelo e até mulheres- contrabaixo.Mas como recusam-se a estabelecer aquela íntima relação que o violão oferece; como negam-se a se deixar cantar preferindo tornar-se objeto de solos ou partes orquestrais; como respondem mal ao contato dos dedos para se deixar vibrar, em beneficio de agentes excitantes como arcos e palhetas, serão sempre preteridas, no final, pelas mulheres-violão, que um homem pode, sempre que quer, ter carinhosamente em seus braços e com ela passar horas de maravilhoso isolamento, sem necessidade, seja de tê-la em posições pouco cristãs, como acontece com os violoncelos, seja de estar obrigatoriamente de pé diante delas, como se dá com os contrabaixos.Mesmo uma mulher-bandolim (vale dizer: um bandolim), se não encontrar um Jacob pela frente, está roubada. Sua voz é por demais estrídula para que se a suporte além de meia hora. E é nisso que a guitarra, ou violão (vale dizer: a mulher-violão), leva todas as vantagens. Nas mãos de um Segovia, de um Barrios, de um Sanz de la Mazza, de um Bonfá, de um Baden Powell, pode brilhar tão bem em sociedade quanto um violino nas mãos de um Oistrakh ou um violoncelo nas mãos de um Casals. Enquanto que aqueles instrumentos dificilmente poderão atingir a pungência ou a bossa peculiares que um violão pode ter, quer tocado canhestramente por um Jayme Ovalle ou um Manuel Bandeira, quer "passado na cara" por um João Gilberto ou mesmo o crioulo Zé-com-Fome, da Favela do Esqueleto.Divino, delicioso instrumento que se casa tão bem com o amor e tudo o que, nos instantes mais belos da natureza, induz ao maravilhoso abandono! E não é à toa que um dos seus mais antigos ascendentes se chama viola d'amore, como a prenunciar o doce fenômeno de tantos corações diariamente feridos pelo melodioso acento de suas cordas... Até na maneira de ser tocado - contra o peito - lembra a mulher que se aninha nos braços do seu amado e, sem dizer-lhe nada, parece suplicar com beijos e carinhos que ele a tome toda, faça-a vibrar no mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua.Ponha-se num céu alto uma Lua tranqüila. Pede ela um contrabaixo? Nunca! Um violoncelo? Talvez, mas só se por trás dele houvesse um Casals. Um bandolim? Nem por sombra! Um bandolim, com seu tremolos, lhe perturbaria o luminoso êxtase. E o que pede então (direis) uma Lua tranqüila num céu alto? E eu vos responderei: um violão. Pois dentre os instrumentos musicais criados pela mão do homem, só o violão é capaz de ouvir e de entender a Lua.

in Para viver um grande amor (crônicas e poemas)
in Poesia completa e prosa: "Para viver um grande amor"

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

INSTRUMENTOS MUSICAIS DO MUNDO - O CAVAQUINHO DE CABO VERDE

-
Mais a sul, ainda no atlântico, nova paragem, agora em Cabo Verde.
A receber-nos o instrumento "mais malcriado" do país: o cavaquinho.
-
Como recurso vamos utilizar novamente um video extraído dos "Cordofones tradicionais da Macaronésia" fruto do projecto "Chronos"*.
-
*Projecto realizado no âmbito do Programa Interreg III com as parcerias do Instituto Açoriano de Cultura, Universidade da Madeira, Direcção Regional de Educação da Madeira, OVGA Açores e Direccion General de Educacíon del Gobierno de Canarias, que teve por objectivo realizar vários cursos de formação online sobre cultura e história dos três arquipélagos da Macaronésia, juntando ainda o de Cabo Verde.
.

sábado, 14 de novembro de 2009

MAIS NADA FOI DECRETADO...


Títulos da cidade de Angra

Tendo sido esta cidade condecorada com o título de - "Mui nobre e sempre leal cidade de Angra" - pelos feitos heroícos praticados por seus fieís habitantes na restauração de Portugal em 1641, e tendo outrossim estas ilhas sido declaradas adjacentes ao Reino de Portugal por alvará de 26 de Fevereiro de 1771, e ultimamente contempladas como província do reino, §.1º, artigo 2º, título 1º da Carta Constitucional: há por bem esta Junta Provisória, encarregada de manter a legítima autoridade d'el-rei o Sr. D. Pedro IV, declarar em nome do mesmo Augusto Senhor, que todas as nove ilhas dos Açores são uma só e única província do reino, e que esta cidade de Angra é a capital da província dos Açores. As autoridades a quem competir assim o tenham entendido, cumpram e façam cumprir: e o Secretário dos Negócios Interinos faça dirigir cópia deste decreto às estações competentes e autoridades na forma do estilo.

Angra, 28 de Outubro de 1828. - Deocleciano Leão Cabreira - João José da Cunha Ferraz - José António Silva Torres. - Referendado: Alexandre Martins Pamplona.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

INSTRUMENTOS MUSICAIS DO MUNDO - O TIMPLE

Navegando ainda por mares calmos da Macaronésia Atlântica, vamos fazer uma paragem no arquipélago das Canárias.

Aqui, utilizando uma vez mais como recurso o excelente trabalho "Cordofones tradicionais da Macaronésia" fruto do projecto "Chronos"*, vamos conhecer o "timple".

*Projecto realizado no âmbito do Programa Interreg III com as parcerias do Instituto Açoriano de Cultura, Universidade da Madeira, Direcção Regional de Educação da Madeira, OVGA Açores e Direccion General de Educacíon del Gobierno de Canarias, que teve por objectivo realizar vários cursos de formação online sobre cultura e história dos três arquipélagos da Macaronésia, juntando ainda o de Cabo Verde.

sábado, 3 de outubro de 2009

INSTRUMENTOS MUSICAIS DO MUNDO - o BRAGUINHA ou MACHETE

Neste périplo pelos instrumentos musicais do mundo vamos fazer uma paragem no arquipélago e Região Autónoma da Madeira. Desta feita para conhecermos o "Braguinha" ou "Machete”.
Quando alguém se propõe a estudar um instrumento musical quase sempre começa por se preocupar em encontrar uma justificação para o nome com que é conhecido. As teorias, quase sempre desenvolvidas à volta de pressupostos (uns mais bem fundamentados do que outros) muitas vezes falham por limitarem a sua análise a uma visão temporal baseada em falsos pressupostos, isto é, numa perspectiva de hoje transposta para um, dois ou três (senão mais) séculos atrás. Por outro lado, quase sempre caímos no erro de termos como verdade intocável a opinião de alguém que, embora com créditos justamente adquiridos, opinou sobre este ou aquele outro assunto que analisou de forma mais ou menos superficial, raramente tendo em linha de conta a distancia que separa a sua cátedra do mundo real (por exemplo uma visão urbana de uma realidade rural) sonegando à nossa inteligência a possibilidade de exercitar outras teorias.

Vem este arrazoado todo a propósito do nome deste instrumento popular madeirense e da interessante teoria desenvolvida Roberto Moritz publicada no seu “blog” “Machetes do Mundo” que eu, pessoalmente, acho verosímil.

Diz o professor e músico:

“Esta é uma teoria desenvolvida por mim, que passo a descrever, mesmo sem conhecimento de documentos que a possam comprovar:

A Madeira desde há muito tempo que é visitada pelos ingleses, os quais foram deixando marcas que ainda hoje estão bem presentes - como por exemplo, muitas das grandes quintas construídas.
Nestas longas décadas de visitas, procuravam a Madeira pelas mais diversas razões, em diversas áreas, desde a botânica, turismo, comércio, etc, e sempre se interessavam pela nossa cultura e costumes, mantendo um contacto constante com os naturais de cá(?).
De certo que, entre todos esses visitantes, haveria sempre algum que era músico instrumentista, e que tomaria interesse em saber com que instrumento é que os madeirenses se entretinham.
Foi num desses contactos que um guitarrista inglês, ao encontrar um grupo de populares, se deparou com um deles a tocar uma espécie de viola muito mais minúscula que o habitual. Curiosamente aproximou-se e começou a dialogar (mesmo com algumas dificuldades linguísticas) com o dito tocador e, após uns minutos de conversa, viu-se tentado a pedir para experimentar aquela pequena viola...
Só que o problema é que aquilo não era nada do que estava habituado, e logo se deparou com dificuldade em colocar os dedos pela escala, em acertar com as cordas, e a conseguir tirar alguma melodia, pelo que uns instantes depois, já desesperado, gritou: "Man! sh*t!!".
Desde então os populares, que sempre tiveram em conta o nível de educação dos ilustres que os visitavam de outras terras, começaram a chamar àquele instrumento de Machete.”

Uma delícia!

Para um melhor conhecimento deste pequeno instrumento aqui fica um trabalho muito interessante, em vídeo, sobre a “Braguinha da Madeira” com o contributo do “violeiro” Carlos Jorge e dos músicos Roberto Moniz e Roberto Moritz.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

INSTRUMENTOS MUSICAIS DO MUNDO - O BRINQUINHO



O “brinquinho” é um instrumento musical da família dos “idiofones” e um “ex-líbris” da ilha da Madeira. Serve exclusivamente para acompanhamento das danças tradicionais daquela Região Autónoma e é composto por bonecos de pau vestidos com o traje tradicional da região, castanholas, fitilhos e caricas, dispostos de forma ordenada numa cana de roca e que são agitados verticalmente pelo executante.
O “bailinho da Madeira” ou apenas o “bailinho” é uma das músicas portuguesas mais conhecidas em todo o mundo. Por estar associada a ele, a imagem do “brinquinho” está também largamente difundida.
O "brinquinho" apesar de ser o instrumento regional de aceitação popular é de criação relativamente recente e, tal como o “bailinho”, terá surgido quando começaram a aparecer os primeiros grupos folclóricos na primeira metade do século XX.


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

NOSSA SENHORA DOS MILAGRES DA SERRETA - A FESTA DA FÉ

Acabaram-se as férias. E logo na semana da Serreta, ainda a tempo de cumprir o sacramental sábado e de gozar o feriado (tolerância?) da segunda-feira.
A festa de Nossa Senhora dos Milagres da Serreta é, na ilha Terceira, um caso particular de fé, disfarçada por vezes em deleites profanos, cuja origem se esfuma na penumbra do tempo.

Do "Almanach Açores para 1904" respiguei o seguinte texto que nos dá conta da provável origem desta festividade e da sua evolução ao longo dos tempos:

“A risonha freguesia está situada no cabo ocidental da ilha, voltada a sudoeste, num terreno alto sobranceiro ao mar, tendo uma área de 12 quilómetros quadrados.
O seu nome tem origem na serra que lhe fica eminente pelo norte e da qual provem os nevoeiros ali tão frequentes.
Ao título do orago da freguesia – Nossa Senhora dos Milagres – estão ligadas recordações e tradições encantadoras.
Segundo a tradição, nos fins do século XVI, um piedoso sacerdote, vítima duma injusta perseguição, ali se foi estabelecer.
Eis a lenda piedosa e poética da devoção à Virgem dos Milagres:

Havia um velho padre, velho e bom santo homem que, para fugir do mundo e dos homens, tomou o seu bordão e foi por serras e montes à procura de um ermo onde pudesse orar. Foi-se embrenhando pelos matos, mais e mais até não ouvir outros ruídos que os do vento agitando as florestas e os do mar quebrando-se nos alcantilados rochedos.
O venerando sacerdote conseguiu o que tão ardentemente desejava, por entre penas, trabalhos e privações de toda a ordem. Chegou à Serreta exausto de forças, mas vigoroso de fé e de confiança. Era bem aquele lugar o que Nossa Senhora lhe havia indicado numa visão encantadora e doce, visão que lhe enchia a alma inteira, que o alentava, que o fortalecia. De suas próprias mãos, ali onde era mais áspera e selvagem a terra, erigiu uma modesta e pequenina capela, onde colocou a imagem da Virgem, que sempre o acompanhou. Foi ali que orou, prostrado ante a mãe de Deus durante o resto dos seus dias, "descuidoso" das glórias vãs do mundo, longe do bulício das povoações, na paz da consciência, no silêncio do ermo!
Anos depois da morte do piedoso sacerdote que construíra a primitiva e singela capela, onde acorria todos os anos muito povo em romagem, teve de transferir-se a imagem para a paroquial das Doze Ribeiras, porque os romeiros, pelo abandono em que estava a capela, praticavam ali actos pouco edificantes.
Em 1762, ao saber-se por comunicação do Conde de Oeiras, que as tropas espanholas tinham entrado em Portugal, várias pessoas importantes da ilha e oficiais da guarnição, no intuito de pôr a Terceira em estado de repelir um ataque, percorreram o litoral escolhendo os locais para construir fortificações. Chegando às Doze Ribeiras, invocaram auxílio de N.ª S.ª dos Milagres, obrigando-se a fazer-lhe festas solenes se a ilha não fosse atacada. Assim sucedeu. A paz foi assinada. Dois anos depois os peticionários que se ficaram chamando "Escravos da Senhora" lavraram um termo firmando aquele voto, com a data de 11 de Setembro de 1764. O voto cumpriu-se solenemente, com a maior grandeza e piedade.
Dez anos mais tarde, em 13 de Setembro de 1772, na freguesia das Doze Ribeiras, lavrou-se um acordam pelo qual os "Escravos" convieram na reedificação da ermida da Serreta, obtendo desde logo na ilha grandes donativos para a obra.
Não obstante tão excelentes propósitos, 25 anos depois, em 1797, ainda não estava reedificada a capela. Como por essa ocasião ameaçasse o reino o perigo da ocupação francesa, foi revalidado o voto com referência à festa, obrigando-se todos a cumprir o propósito da reedificação da pequena igreja. Este novo voto tinha data de 26 de Julho de 1797.
Passado, porém, o perigo os votos foram esquecidos. Em 1818 o general Francisco António de Araújo obedecendo ao plano geral de levantar as capelas mores das igrejas que ao povo competia acabar, nos lugares em que o desenvolvimento da população o exigisse, e sabendo dos votos feitos em 1762 e 1797, promoveu a construção duma igreja na Serreta, por meio de donativos de alguns devotos e do Estado, chegando a obter o levantamento das paredes. As perturbações políticas da época obstaram conclusão da obra.
Em 1842, o conselheiro José Silvestre Ribeiro, governador civil do distrito, conseguiu levar a efeito a construção da igreja coadjuvado pelos senhores Visconde de Bruges e brigadeiro Vital de Bettencourt Vasconcelos de Lemos, que por escritura de 30 de Agosto de 1842 fez doação de 4&000 reis anuais para património da nova igreja, e outros cavalheiros angrenses. A 10 de Setembro do mesmo ano realizava-se a trasladação da imagem de N.ª S.ª dos Milagres para a sua nova capela, sendo criado ali um "curato", até que por decreto de 16 de Outubro de 1861 e provisão do bispo D. Frei Estevam, de 24 de Dezembro do mesmo ano, foi criada a paróquia e freguesia denominada de Nossa Senhora dos Milagres, que principiou a funcionar em 1 de Janeiro de 1862.
Quando em 2 de Julho de 1847 o sempre lembrado sacerdote padre Francisco Rogério da Costa, tomou conta do "curato", encontrou a pequena ermida absolutamente carecida de tudo. Apenas existia a imagem de N.ª S.ª dos Milagres acomodada num nicho e alguns pobres paramentos.
Cinco anos depois, teve de abandonar o lugar, deixando feita a capela-mor, um camarim para o S. Sacramento, dois altares laterais onde se dizia missa e ornamentos suficientes para o culto. Junto à ermida tinha sido construído um belo passal.
Todos estes melhoramentos consegui-os o zelo fervoroso do padre Rogério, auxiliado largamente pelas esmolas de muitos cavalheiros de Angra e em geral, do povo de toda a ilha.
Durante muitos anos as festas eram feitas pelas principais famílias de Angra. Hoje, porém, são custeadas pelas esmolas dos fiéis.
As acanhadas dimensões da igreja e o aumento progressivo da população, reclamavam desde muito tempo a edificação de um novo templo.
Coube ao vigário reverendíssimo Francisco Lourenço do Rego, sacerdote de alto espírito, de extremada prudência e de inquebrantável tenacidade, levar a vias de realização o empreendimento.
Em 29 de Abril de 1895 procedia-se à cerimónia da bênção da primeira pedra da nova igreja.
As obras iniciaram-se logo e, sete anos passados, estão quase concluídas as paredes da nova e elegante igreja, que ficará sendo um dos mais formosos templos da ilha.

As festas anuais que ali se celebram são imponentíssimas. Por essa ocasião, um dos aspectos que fica perdurável no espírito do “turiste” é, sem dúvida, o Pico da Serreta, no dia da corrida de touros, onde por entre o verde escuro do mato que o reveste, se destacam as variegadas cores claras e vivas, dos trajos de milhares de pessoas de todos os pontos da ilha que dali vão gozar alegremente a popular diversão tão querida do povo terceirense e complemento fatal de todas as festas quer profanas quer religiosas.

Dr. Ferreira-Deusdado”