É permanente a nossa preocupação pelo estado em que se encontra e pela forma como é tratado o folclore e a etnografia enquanto disciplinas auxiliares da Antropologia Cultural ou Etnologia. Essa preocupação baseia-se não tanto em análises académicas dos conceitos, mas sobretudo em aspectos concretos e objectivos de interpretação das informações e dos legados, materializados em objectos como o vestuário para a etnografia e as músicas, cantigas e danças para o folclore, que são o veículo usual mais utilizado pelos grupos para a sua divulgação.
Assim assumem importância relevante as fontes que nos servem de base à pesquisa. Será consensual a ideia de que para o folclore a melhor fonte é aquela que advém da própria vivência, isto é, recolhida daqueles que um dia foram elementos activos desse legado. Das pessoas que foram receptoras de uma ancestral herança, transmitida naturalmente por via da oralidade, e só por esta via, que a utilizaram sem preconceitos e que a entregam, inevitavelmente com a sua marca, com a mesma simplicidade e orgulho aos seus sucessores.
É cada vez maior a dificuldade em encontrar o “informador ideal”. As transformações que ocorreram um pouco por toda a Europa no durante e pós-revolução industrial e com mais relevância no decurso do século passado foram, de uma forma epidémica, responsáveis pela mudança dos comportamentos sociais dos povos. Tal como uma pedra atirada ao charco, as ondas por ela provocadas irradiaram do centro do velho continente para a periferia, tendo chegado até nós apenas em meados do vigésimo século da nossa era. Este facto, para além das nefastas e óbvias consequências relativas ao nosso desenvolvimento, foi responsável pela preservação de características específicas e particulares que nos identificam e nos tornam diferentes dos outros. Ainda hoje é possível encontrar sobreviventes dessa época. Mas serão eles bons informadores?
Luís Ferreira Machado Drumond, no seu “Estudo do Folclore Terceirense - O Baile Popular Terceirense”, publicado no Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira Volume XIII, de 1955, afirma: “Para compreender a psicologia do povo terceirense, para lhe conhecer o carácter alegre e a índole folgazã, em contraste com o seu modo de ser pacato e simples, é necessário estudar as suas canções populares, investigando qual a origem delas, as influências a que estiveram sujeitas e as naturais evoluções que sofreram.
Tal estudo torna-se difícil e complicado, porquanto, os nossos antepassados não se deram ao trabalho de registar o aparecimento e a evolução das suas modinhas populares.
A ausência de precisa documentação nos arquivos e bibliotecas, obriga a recorrer às fontes da suposição que, não primando pela veracidade, são as únicas capazes de suprir aquela deficiência”.
Perfeitamente de acordo com Drumond quanto à necessidade do estudo das canções populares, como forma de compreensão do povo e também quanto à dificuldade que tal empresa representa. Mas estamos em crer que Drumond comete aqui um erro imperdoável: ter direccionado as suas pesquisas apenas para os arquivos e bibliotecas em detrimento de fontes populares. Acreditamos que por essa altura existiria ainda um considerável número de bons informadores. De homens e mulheres portadores dessa cultura secular que nenhuma escola ensina, que flúi naturalmente como a água jorra da fonte, que resulta da prática continuada e apaixonada, que se recebe e se dá como se fosse a nossa maior fortuna.
Hoje sim, será difícil, muito mais difícil encontrar informadores com este perfil.
Isto porque “ao contrário de outros documentos, escritos ou pintados guardados em arquivos; das pedras e utensílios expostos ou escondidos debaixo da terra, objecto da arqueologia; do património construído, mesmo que degradado, a música popular de tradição oral extingue-se com a morte dos intérpretes” como lemos num texto de Adelino Cardoso na Revista do Jornal Expresso de 25 de Outubro de 1997.
Esta opinião obtém eco e concordância num outro texto, este pela pena autorizada de José Alberto Sardinha, advogado de Torres Vedras que, nas horas vagas e ao longo de mais de 30 anos veste a pele de investigador e se dedica à recolha da música tradicional: “Todos os dias se perdem exemplares musicais de grande riqueza. Do que se perde muito há que nunca se saberá o que era. Há coisas, portanto, já irrecuperáveis. A música tradicional tem uma base funcional: quando uma função termina a música passa a um estado de vigília até morrer o portador. Sobrevive na memória dos últimos executantes e depois cessa por falta de transmissão. Parte do que ainda hoje se grava já só subsiste na memória dos tocadores, sobretudo nos cantos de trabalho, porque desapareceram as respectivas tarefas. As músicas bailadas vão subsistindo nos ranchos folclóricos, em estado de alguma degradação e adulteração, porque já não há bailes rurais; subsistem alguns grupos instrumentais e as tunas de convívio vicinal”.
Fica feito o aviso à navegação: não podemos perder mais tempo, se é que ainda nos resta alguma esperança de vir-mos a encontrar o último informador.
1 comentário:
Boa noite
Pelo que li no seu blog, verifico que está enganado relativamente ào seu comentário "estamos em crer que Drumond comete aqui um erro imperdoável: ter direccionado as suas pesquisas apenas para os arquivos e bibliotecas em detrimento de fontes populares." na realidade, meu pai fez a pesquisa directamente da fonte. Aconselho-o a visitar a Biblioteca Pública e procurar nas edições do Diario Insular no período Outubro de 1951 e Julho de 1954, alem de muito mais. Tenho estado a fazer a transcrição de apontamentos de meu pai e alem disso recordo-me de, eu, miudo ter apanhado "aquelas secas" quando ele metido no meio de uns tantos individuos mais idosos lhe contavam como as coisas eram "naquele tempo".
Não era nas bibliotecas que ele ganhava o conhecimento, eram as suas recordações (procure saber onde foi a mocidade dele) e na conversa com o povo do qual ele fazia parte.
Desculpe este comentário mas a ideia é corrigir algo que não está correto.
Cumprimentos
Luís Viriato Drumond
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